domingo, 29 de junho de 2014

À beira do calote, Argentina teme penhora de bens das embaixadas

O Globo

Investidores apostam em negociação com fundos ‘abutres’

iminência do default técnico e a expectativa por uma solução derradeira para crise da dívida deram o tom ao fim de semana na Argentina. Com o juiz Thomas Griesa impassível diante dos protestos dos líderes do país, autoridades do país já temem até embargos a recursos das embaixadas e, mais uma vez, bateram à porta de um organismo internacional, desta vez a Organização dos Estados Americanos (OEA). Enquanto o tempo corre contra o país vizinho, analistas e investidores apostam numa negociação de última hora, envolvendo dinheiro e títulos, nos moldes da que foi feita com a petroleira Repsol, antiga dona da YPF.

Diante da pressão dos fundos chamados de “abutres” pelo confisco de recursos do país para o pagamento dos títulos de dívida que não entraram nas reestruturações de 2005 e 2010, cresceu no Ministério das Relações Exteriores o receio de que seja determinada a penhora de contas bancárias, imóveis, carros e bens da diplomacia argentina no exterior, informou o “La Nación”, jornal argentino do Grupo de Diarios América, consórcio do qual O GLOBO também é parte. Também estariam em risco os ativos no exterior do Banco Nación, da YPF e os aviões presidenciais.

Para driblar os embargos, cogitou-se transferir para outro país os recursos da chancelaria nos Estados Unidos — a avaliação de alternativas ficou a cargo da secretária de Coordenação e Cooperação Internacional, Paula Verónica Ferraris —, mas não se sabe se a manobra foi levada a cabo. Por ora, o Ministério das Relações Exteriores apenas pediu à OEA uma audiência para falar aos representantes de outras nações sobre a reestruturação da dívida. A reunião acontecerá nesta segunda-feira, com explanações do ministro da Economia, Axel Kicillof, que na última quarta-feira esteve na Organização das Nações Unidas (ONU), onde recebeu apoio do Brasil.

A Argentina tem mais de 190 sedes diplomáticas mundo afora, e cada embaixador ganha US$ 15 mil por mês. Os salários, bens e contas da diplomacia estão imunes a embargo, protegidos pela Convenção de Viena. Porém, outras rubricas poderiam ser atingidas, como as receitas provenientes de representações diplomáticas para procedimentos de negócios e outros serviços, que são considerados rendimentos do Tesouro. Os carros e imóveis também estariam protegidos, mas embaixadores consultados pelo “La Nación” lembraram que a fragata Libertad, que foi embargada em Gana em outubro de 2012 e só liberada em janeiro do ano passado, também deveria estar imune a confiscos.

Além do mais, os últimos desdobramentos da crise já colocaram em xeque as garantias asseguradas pela Convenção de Viena. Ao mandar o Bank of New York Mellon devolver os US$ 539 milhões depositados na quinta-feira pela Argentina para pagar os credores que participaram da reestruturação da dívida, o juiz Griesa já teria adentrado no campo minado, na avaliação de Carlos Roberto Siqueira Castro, sócio do Siqueira Castro Advogados e professor de Direito Constitucional da Uerj.

— O juiz errou. A decisão foi abusiva. Não se discute o crédito dos fundos “abutres”, mas os bens da Argentina não são penhoráveis, pois são soberanos. Contam com imunidade de jurisdição garantida pela Convenção de Viena sobre relações internacionais. Se a Argentina quer dar preferência de pagamento a fundos que aceitaram a reestruturação, este é um predicado de sua soberania.


APOSTA EM NEGOCIAÇÃO

Apesar das nuvens no horizonte, investidores estão apostando que, para não perder acesso ao mercado internacional, a Argentina vai negociar com os fundos “abutres” ao longo dos 30 dias de calote “técnico”, ao fim do qual começa a moratória de fato. As autoridade do país “continuam dando sinais contraditórios sobre seu anseio por negociar”, disse Gordian Kemen, chefe de pesquisa de renda fixa para América Latina do HSBC ao “Financial Times”, acrescentando que o melhor cenário para o país é uma solução negociada, que teria custos muito menores que o de um default.