quinta-feira, 31 de julho de 2014

Gotemburgo, na Suécia, deixa passado de cidade industrial e se destaca como destino gastronômico

- O Globo

Chefs locais, como o aclamado Marcus Samuelsson, renovam as cozinhas da segunda maior metrópole do país

Estátua de um leão, o símbolo de Gotemburgo, às margens de um dos canais da cidade, em frente à Praça Gustav II Adolf Foto: Eduardo Maia / O Globo
Estátua de um leão, o símbolo de Gotemburgo, às margens de um dos canais da cidade, em frente à Praça Gustav II Adolf - Eduardo Maia / O Globo



GOTEMBURGO - Enquanto crescia na Gotemburgo dos anos 1970 e 1980, o chef etíope-sueco Marcus Samuelsson não via futuro na cidade industrial que vivia da fábrica da Volvo e de seu porto, o mais importante da Suécia. O aspirante a chef — atualmente radicado em Nova York e com fama internacional — que não se empolgava com os poucos restaurantes da cidade, hoje certamente teria esperanças. Nos últimos anos, Gotemburgo trocou o cinza do passado operário pelas cores de uma cidade cosmopolita, com quase um milhão de habitantes, que mantém a tranquilidade de uma vila com ruas arborizadas, bondes elétricos, bairros históricos, canais, parques e até um arquipélago.


Os quatro restaurantes com estrelas Michelin — além de outros muitos que brilham fora da constelação do guia vermelho — e o título de “capital gastronômica da Suécia” mostram que a Gotemburgo que Samuelsson descreve em sua biografia, “Pois não, chef”, editada pela Rocco no Brasil ano passado, não existe mais. Ele mesmo agora faz parte dessa renovação, com seu restaurante Norda Bar, que abriu as portas em 2012 e segue a cartilha de combinação de sabores e influências, presente nos trabalhos anteriores do chef, incluindo seu restaurante principal, o elogiado Red Rooster, no Harlem. No Norda, a gastronomia tradicional sueca recebe boas doses de influência americana. Um prato exemplar é o Cod BLT: uma posta de bacalhau, bem escandinavo, acompanhado americanamente de bacon, alface e tomate assado (a porção individual custa 295 coroas suecas, ou R$ 96).

Usando apenas ingredientes produzidos em um raio de 300 quilômetros (exceto os vinhos), o Wasa Allé é um belo exemplo da nova gastronomia escandinava, com pratos inventivos e leves. Uma boa maneira de conhecer essa variedade são os menus degustação da casa (a partir de 495 coroas suecas, ou R$ 161). Em um deles você poderá encontrar uma entrada composta de prästost (“queijo do padre”) cremoso, um laticínio sueco, com um pedaço de beterraba amarela em conserva servido em uma casquinha de pão de malte.

Norda e Wasa Allé ainda não chegaram à consagração dos restaurantes Bhoga, Restaurang 28+, Sjömagasinet e Thörnströms Kök, os quatro que ganharam uma estrela cada na edição de 2014 do Guia Michelin. Gotemburgo, que desde julho passou a receber três voos semanais da TAP, que liga Lisboa a 11 cidades brasileiras, guarda outros encantos. Como o mercado de peixe Feskekôrka, que se parece com uma igreja.


CANAIS ‘HOLANDESES’ E PALACETES ARISTOCRÁTICOS

Cod BLT, prato do Norda Bar, de Marcus Samuelsson - Eduardo Maia / O Globo

O restaurante de Marcus Samuelsson fica em um belo exemplo de transformação de Gotemburgo, o Clarion Hotel Post, aberto também em 2012, no enorme prédio do século XIX onde funcionava o correio central da cidade. Se por fora a construção continua austera, como se exigia da sede de um serviço tão cheio de responsabilidades, o interior foi completamente modificado, com decoração moderna e arrojada, trilha sonora de lounge e um bar, logo na entrada, onde figuras saídas de uma interminável semana de moda se acotovelam por drinques e petiscos elaborados pela equipe de Samuelsson.

O hotel fica em frente à estação de trem da cidade, no coração do Centrum, o centro antigo, marco zero de qualquer visita a Gotemburgo. Foi ali que a cidade nasceu, em 1621, fundada pelo rei Gustav II Adolf com a missão de estabelecer a fronteira sueca a oeste e ampliar o comércio marítimo com o Mar do Norte. A localização privilegiada, às margens do Rio Götar e a poucos quilômetros do Estreito de Kattegatt, que separa a Suécia da Dinamarca, foi decisiva.

Pouca coisa restou dos primeiros anos, exceto partes dos muros que cercavam a cidade, uma torre de controle e os canais que compunham uma rede planejada por engenheiros holandeses para incrementar a atividade portuária. Ao redor deles cresceram os belos palacetes que dão um ar aristocrático ao centro antigo.

Passeio de barco pelos canais de Gotemburgo - Eduardo Maia / O Globo


Os conjuntos de prédios mais impressionantes estão às margens dos canais centrais, em ruas como Norra Hamngatan (onde ficam o Museu da Cidade de Gotemburgo, na antiga sede da Companhia Sueca das Índias Ocidentais, e a Praça Gustav II Adolf), Södra Hamngatan e Stora Nygatan. Em frente a esta, dois grandes parques se espalham ao longo do canal. No Kungsparken, há espécies de árvores e plantas de toda a Escandinávia. No Trädgardsföreningen, jardins floridos e uma estufa são os destaques. Ambos convidam à contemplação dos barquinhos que vêm e vão pelos canais. Os passeios fluviais, que lotam durante o verão, vão até o Rio Götar e mostram as áreas onde os antigos estaleiros, falidos nos anos 1980, deram lugar a empresas de tecnologia que ajudaram a transformar a cidade nas últimas décadas.

Há outras maneiras de circular por Gotemburgo. A rede de bondes elétricos cobre boa parte da cidade, assim como o programa de aluguel de bicicletas Styr & Ställ, que tem 60 estações onde se se pode retirar ou devolver as bikes (o passe de três dias custa 75 coroas suecas, ou R$ 24). Quem quiser embarcar na história automotiva de Gotemburgo pode fazer um tour a bordo de modelos Volvo PV 444, clássicos da montadora, construídos nos anos 1940 e 1950.

No entanto não há melhor forma de conhecer o centro da cidade que caminhando. As distâncias curtas permitem perder-se pelas ruas antigas, com nomes quase sempre impronunciáveis e belas surpresas escondidas. Como o Saluhallen, o mercado central, na Östra Hamngatan. Ele já foi o principal centro de abastecimento da cidade. Hoje, abastece moradores e turistas de delícias gourmet, como queijos, frios, embutidos e pães de todos os cantos do país.

E por mais que se perca no centro, sempre se chega à Kungsportsavenyn, ou apenas Avenyn, que os moradores gostam de comparar à Champs-Élysées. A avenida enfileira lojas, hotéis, bares e restaurantes, cujas varandas são disputadíssimas no verão, por dois quilômetros até a Götaplasen, uma praça que reúne o Museu de Arte de Gotemburgo (especializado em arte nórdica), o Stadsteater (Teatro Municipal) e a Konserthus, casa da orquestra sinfônica da cidade. No meio da praça, o Poseidon esculpido pelo sueco Carl Milles observa o movimento frenético da Avenyn.

Se o gigante de bronze olhasse para trás veria o Liseberg, o maior parque de diversões da Suécia e uma das atrações mais populares do país. A roda-gigante de 60 metros de altura, e a montanha-russa Hellix, aberta este ano, com pontos de velocidade que chegam a 100 km/h, são as principais atrações do parque. Durante o verão, a diversão começa ainda a bordo do bondinho vintage que liga os principais pontos da cidade ao parque.

Perto dali está o Estádio Ullevi, construído para a Copa de 1958, palco de três partidas da seleção brasileira. Um sueco mais antigo lembrará dos dois gols de Vavá contra a União Soviética, ou de Pelé classificando o Brasil contra o País de Gales.


OS CINCO VERBOS PARA CONJUGAR EM GOTEMBURGO

Comer em uma das quatro casas com estrelas Michelin ou nos muitos excelentes restaurantes espalhados pela cidade, tanto os voltados para os frutos do mar quanto os especializados na culinária sueca.

Caminhar pelas ruas do Centrum. As distâncias curtas entre as principais atrações da cidade permitem conhecer bem Gotemburgo a pé.

Visitar os bons museus de Gotemburgo, como o Museu de Arte, no final da Avenyn, especializado em arte escandinava, e o Museu da Cidade, que conta a história local, de 1621 aos dias atuais.

Navegar em excursões e linhas regulares de ferryboats que levam às ilhas do Arquipélago de Gotemburgo, onde moradores vão para velejar, almoçar ou simplesmente desligar da correria cotidiana durante os fins de semana.

Subir os 192 degraus que vão do bairro histórico de Haga até a base da torre da Skansen Kronan, a fortificação que permite ter um panorama de 360 graus de Gotemburgo, e assistir ao pôr do sol de lá.


SERVIÇO

ONDE COMER


Bhoga: Seguindo a linha da cozinha criativa escandinava, é o mais novo estrelado pelo Guia Michelin. Norra Hamngatan 10. bhoga.se

Restaurang 28+: Famoso por sua adega, tem uma estrela Michelin e é um dos mais sofisticados da cidade. Götabergsgatan 28. 28plus.se

Sjömagasinet: Na beira do rio, o restaurante tem uma estrela Michelin e tradição em frutos do mar. Adolf Edelsvärdsgata 5. sjomagasinet.se

Thörnströms Kök: O chef Hakan Thörnström ganhou uma estrela Michelin por sua interpretação da culinária sueca. Teknologgatan 3. thornstromskok.com

Norda Bar: No Clarion Post Hotel. nordabargrill.se

Wasa Allé: Cardápio “eco gourmet”. Vasagatan 24. wasaalle.se


ONDE FICAR

Clarion Post Hotel: Diárias a partir de 1.380 coroas suecas (R$ 448). Drottningtorget 10.
nordicchoicehotels.com
Scandic Rubinen: Diárias a 1.194 coroas (R$ 388). Kungsportsavenyn 24. scandichotels.com


PASSEIOS

Paddan Tour: O passeio pelos canais dura 50 minutos e custa 160 coroas suecas (R$ 52). Menores de 11 anos pagam meia. stromma.se

Carros clássicos: O passeio a bordo dos Volvos PV 444 custa a partir de 245 coroas (R$ 79). timetravelgbg.se/em

Museu de Arte: Entrada a 40 coroas (R$ 13). Götaplatsen. konstmuseum.goteborg.se