domingo, 7 de setembro de 2014

"Diplomacia de oposição", por Helena Celestino

O Globo 

“O Itamaraty poderia ter sido mais valorizado nos últimos anos, foi esvaziado com a partidarização e ideologização da política externa”. A frase de Marina Silva, em destaque no seu programa de governo, soou como música nos ouvidos dos diplomatas brasileiros, a maioria convicta de que a presidente Dilma Rousseff não gosta nada de relações internacionais e tem um olhar atravessado para os punhos de renda que enxerga no ritual da diplomacia. Quatro anos de governo Dilma transformaram o Itamaraty num poço de mágoas por causa das inúmeras trombadas com o Planalto, reforçadas pela decisão de impor uma redução de 40% nas verbas, entendida como sinal de desprestígio. O programa de Marina é mais verde e tem mais verve, o de Aécio Neves tem uma visão mais comercial e financeira da política externa, mas nesta diplomacia de oposição há muitos pontos em comum.

Política externa, a gente sabe, não elege ninguém. Nem no Brasil nem nos EUA, o país onde cada geração tem uma guerra para chamar de sua. O discurso pacifista de Obama empolgou os americanos, mas provavelmente foram a crise econômica, as milhões de casas retomadas pelos bancos por falta de pagamento e as falcatruas no mercado financeiro que derrotaram os republicanos nas eleições americanas de 2008 e 2012. Não por acaso, o papel do Brasil neste enlouquecido mundo está fora dos palanques, até agora relegado aos palavrosos programas de partido e a uma longa entrevista na revista “Política Externa” — Dilma não mandou resposta às perguntas.

Duas certezas para o próximo governo se a oposição ganhar. As relações com os EUA vão recuperar o espaço perdido, e o Brasil tentará se livrar das correntes pesadas do Mercosul — como define um embaixador. Tentará ficar só com o lado bom de pertencer ao bloco, apostando também em acordos bilaterais e com a União Europeia. “Marina desenha uma política externa mais equilibrada, admitindo que o Brasil tem vários eixos de interesse”, diz ele. Numa tradução livre, significa que acabará o alinhamento automático com os governos de esquerda da América Latina e a paciência irrestrita com a Argentina.

Outra barbada: o verde será a cor dominante no governo se a candidata do PSB for eleita. Marina tem prestígio internacional como ambientalista; na ONU é recebida com reverência, nas Olimpíadas de Londres de 2012 estava ao lado do secretário-geral Ban Ki-moon, reconhecida como uma das personalidades que fazem diferença no mundo. Ela certamente fará da defesa do meio ambiente a marca do Brasil nos fóruns internacionais, um pouco no estilo do presidente Lula quando o Brasil virou referência nos programas contra a fome e de redução de pobreza.

Uma novidade bacana trazida por Marina é a criação de um conselho, nos moldes do British Council, para promover a cultura brasileira e a língua portuguesa no exterior. Num momento em que programações do Itamaraty são canceladas por falta de dinheiro, parece delírio de candidato, mas é o simples reconhecimento do poder do soft power, a capacidade de um país influenciar pessoas e fazer amigos sem recorrer à força. A ideia é dar incentivos fiscais para atividades culturais no exterior, numa espécie de Lei Rouanet com alcance internacional. “ Seria ótimo. A China vem investindo muito nisso, o Brasil também tem muitas iniciativas culturais, mas nada coordenado”, diz o professor Anthony Pereira, diretor do Instituto Brasil no King’s College.

A outra promessa de Marina é obvia, mas sempre reconforta: atualizar as posições do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU e no tratamento dos conflitos regionais. Todo candidato ou recém-eleito faz isso: Dilma, ao assumir, deu uma entrevista ao “Washington Post”, em que contou que o Brasil votaria na ONU a condenação do Irã pelo apedrejamento da adúltera Sakineh — lembram? —, criticando Lula por ter optado pelas relações com o aliado em vez da defesa dos direitos humanos. Depois, o assunto direitos humanos ficou adormecido, e o país acabou de receber os presidentes da China e Rússia na reunião dos Brics sem levantar questões incômodas.

Aécio defende especificamente a missão de paz do Brasil no Haiti — como modelo para uma participação maior do país no mundo — e critica o governo Dilma pela condução do caso do asilo ao senador boliviano Pinto Molina, que teve salvo-conduto negado por Evo Morales e acabou sendo retirado escondido da Bolívia.

Independentemente de quem ganhar a eleição, está na hora de reconhecer a competência técnica e visão estratégica dos profissionais treinados para isso. Quando a política externa vai bem, a imagem do Brasil no exterior nos conforta, o comércio cresce, a solidariedade com países em dificuldades recompensa, os conflitos viram acordos, o cidadão comum se sente acolhido quando precisa de ajuda no exterior.