sexta-feira, 31 de outubro de 2014

"Dilma 2", por Eduardo Giannetti

Folha de São Paulo


O enredo foi dramático e tortuoso ao extremo, mas o desfecho seguiu a convenção do gênero: o trator governista garantiu a vitória da presidente, como é praxe desde a adoção da reeleição. A incerteza sobre o resultado das urnas deu lugar à dúvida sobre os rumos da política econômica no segundo mandato. Curva de aprendizado ou aposta redobrada?

É difícil não carregar nas tintas: economia em recessão; investimento em queda livre; deficit fiscal elevado; inflação alta e artificialmente represada (preços administrados e câmbio) e volta da vulnerabilidade externa (deficit em conta corrente acima de U$ 80 bilhões em 2014).

Se Lula 1 preparou o terreno para o avanço social em Lula 2, o estrago de Dilma 1 ameaça sepultar essa conquista em Dilma 2.

Considerando a gravidade do quadro, não deixa de haver justiça na recondução de Dilma ao Planalto. Quem armou e subestimou o tamanho da encrenca que cuide dela agora. À vencedora, os pepinos.

Dois cenários básicos se delineiam. O primeiro, menos pessimista, é o da curva de aprendizado. Passado o ardor da campanha, o governo admite pelo menos parte dos erros cometidos e promove uma correção de rumos.

Como a reputação não ajuda, isso exigirá bem mais que juras, jogo de cena e abertura ao diálogo. Exigirá transparência e resultados, com ênfase na área fiscal, além de uma presidente que aceite abrir mão da condição de patroa de uma equipe econômica café com leite.

Alguns indícios reforçam este cenário. Com anos de atraso, o governo avançou no marco regulatório para o investimento privado em infraestrutura; aceitou reduzir os repasses da bolsa-BNDES e descobriu que não é capaz de baixar os juros no grito. Economistas próximos ao governo tornaram-se críticos abertos da "nova matriz" e o ministro da Fazenda está de "aviso prévio".

O outro cenário é o da aposta redobrada. A reeleição seria a prova do sucesso e o sinal verde para ir até o fim. Não fosse a conjuntura externa adversa, tudo teria sido ainda melhor do que foi. Vale aqui o princípio da contra-indução, enunciado por Mario Henrique Simonsen: "uma experiência que dá errado inúmeras vezes deve ser repetida até que dê certo".

Entre os elementos de apoio à aposta redobrada destacam-se: a retórica agressiva e populista da campanha, incluindo a desmoralização do Banco Central e o autismo fiscal; o estado de negação em que vivem expoentes do petismo e a dificuldade da presidente em admitir erros e delegar poderes.

Some-se a isso a bomba-relógio do petrolão, a queda de preço das commodities, a alta dos juros americanos e a eventual perda do "grau de investimento" e a conclusão é só uma: a Argentina é logo ali.