terça-feira, 2 de dezembro de 2014

"Terra comprometida", editorial da Folha de São Paulo

Nos rincões mais profundos do Brasil, onde tendem a localizar-se os projetos de assentamento de reforma agrária do governo federal, são usuais os relatos de vendas de lotes, uma atividade ilegal.

Quase tão comuns são também as denúncias de ameaças e violência de grileiros, madeireiros e fazendeiros para expulsar colonos e assenhorear-se de suas glebas.

Não há novidade, portanto, nos fatos trazidos a lume pela Operação Terra Prometida da Polícia Federal: uma quadrilha tomava o terreno de pequenos produtores e ganhava assim a posse irregular de áreas públicas, por meio de expedientes como documentos falsos, vistorias simuladas e força física.

A PF estima em R$ 1 bilhão o prejuízo aos cofres públicos. Na operação, mobilizou 350 agentes e 227 mandados judiciais: 52 de prisão preventiva, 146 de busca e apreensão e 29 medidas proibitivas.

Os mandados abrangeram dez cidades de Mato Grosso, com epicentro no município de Itanhangá. Há oito servidores públicos e 80 fazendeiros sob suspeita de envolvimento no esquema.

A grande surpresa, porém, está na prisão de dois proprietários de terra, Odair e Milton Geller, que são irmãos do ministro da Agricultura, Neri Geller (PMDB-MT).

O ministro nega estar sob investigação. De fato, a PF divulgou nota que exclui o peemedebista do inquérito, mas os autos seguiram para o Supremo Tribunal Federal, responsável por julgar processos contra políticos que, como Neri Geller, tenham foro privilegiado.

Mais grave que a suspeita a pairar sobre a Esplanada, contudo, é o notório envolvimento de funcionários do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). O esbulho jamais se completaria sem o concurso de servidores públicos corruptos para regularizar as posses indevidas.

O Incra alega que apoia e continuará apoiando o trabalho policial com informações e documentos para instruir o processo. Além disso, tem realizado a atualização cadastral de todos os projetos de reforma agrária, com cerca de 100 mil posses já verificadas.

Fica evidente, no entanto, que a ação fiscalizadora do instituto é no mínimo ineficiente, a começar da capacidade de coibir a corrupção em seus próprios quadros. Não há grande risco em predizer que essa, à parte não ser a primeira, tampouco será a última operação da PF contra tais fraudes.

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto (PT), ao qual se subordina o Incra, segue devedor de uma ação mais eficaz.

Quanto a seu colega da Agricultura, Geller, em outro país talvez se sentisse compelido a renunciar ou licenciar-se. Não no Brasil, nem mesmo já demitido, para todos os efeitos, diante da nomeação dada como certa de Kátia Abreu (PMDB-TO) para a pasta.