quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

"Antes que falte luz", por Sérgio Malbergier

Folha de São Paulo


Esqueça o Movimento dos Sem Terra, dos Sem Teto, dos sem Ministério, dos sem subsídios. O quente no momento é o Movimento dos Sem Culpa. É o único que une todos os partidos e seus satélites, do Planalto Central ao Planalto Paulista.

Num país com enormes reservas de água e energia, falta água e falta energia. São serviços básicos sob responsabilidade direta ou indireta do Estado, mas ninguém reconhece falha. A culpa é do outro, é do santo ou é de ninguém.

E faltam água e luz num momento de estagnação econômica, que contém o consumo. Se estivéssemos crescendo, não estaríamos crescendo, pois não haveria energia ou água para irrigar o crescimento.

O Brasil viveu na década passada anos de crescimento acima da média, que geraram recordes sucessivos de arrecadação de impostos nas três esferas de governo. Essa montanha de dinheiro foi em grande parte ralo abaixo por deficiências profundas, que vão da incompetência gerencial à má fé criminosa, passando pelas incapacidades de compreender a realidade sem preconceitos e de basear conceitos em fatos.

Se o pessimismo pode ser exagerado hoje, ficou claro que o otimismo era exagerado antes. Os anos Dilma foram um choque de realidade, revelando como nos faltam, mais que água e luz, capacidade de aprendizado e síntese.

Já desfila pela avenida com velhos e novos puxadores o enredo de que a "ortodoxia" econômica capitaneada pelo ministro Levy está impondo uma recessão desnecessária ao Brasil.

Na verdade a recessão que se aproxima foi imposta justamente pelo fracasso do autodenominado "desenvolvimentismo". Foi a mão dura do governo Dilma na economia que travou o Brasil em pleno voo.

E foi um fracasso exemplar, espetacular, abrangente. Que forçou Dilma a dar um cavalo de pau, desdizer tudo o que disse na campanha e se jogar nos braços, com o afeto que consegue, de um economista "ortodoxo" contrário a tudo o que ela praticou no primeiro mandato.

No país dos sem culpa, Levy já foi condenado. E nós também. Melhor eu acabar logo esse artigo, antes que falte luz.