domingo, 1 de fevereiro de 2015

"Balas perdidas não são acidentes", por Robert Muggah

O Globo


É preciso, entre outras medidas, regular o porte de armas de fogo e munições e destruir excedentes para evitar o vazamento para redes criminosas


Trinta e duas balas. Foi o que bastou para destruir a vida inocentes no Rio de Janeiro apenas no primeiro mês de 2015. Uma tragédia indescritível. As vítimas vão desde bebês a idosos. A maioria reside em bairros de baixa renda. O jogo da culpa está em pleno andamento. O secretário de Segurança condenou grupos de tráfico de drogas, em alusão a uma “nação de criminosos" no estado. Ativistas dizem que a polícia também tem culpa. No fogo cruzado, moradores estão jogando suas mãos ao alto em resignação. No entanto, não há nada “acidental” sobre estes incidentes — são sintomas de uma falha de política pública.

Os mais recentes tiroteios são a ponta do iceberg. Considere as estatísticas. De acordo com dados públicos, houve 61 vítimas de “balas perdidas" no Rio de Janeiro nos primeiros seis meses de 2012, o último ano para o qual a informação oficial está disponível. Isso se compara a 88 em 2011, 139 em 2010, 193 em 2009 e 236 em 2008. É impossível dizer em qual direção a tendência está indo.

Um olhar detalhado revela que a maioria dos tiroteios ocorre nas zonas mais pobres. Cerca de 5% deles são fatais, enquanto os outros 95% resultam em terríveis cicatrizes físicas e psicológicas. Estas estatísticas frias escondem o verdadeiro terror gerado pelos tiroteios. Os cidadãos já não são capazes de se mover livremente por medo de serem vítimas. A abstenção escolar cresce e moradores ficam relutantes em cruzar trajetos de risco para chegar ao trabalho.

Os brasileiros não são os únicos alvos de balas perdidas. Recentemente, as Nações Unidas registraram 617 vítimas em 27 países da América Latina e do Caribe, entre 2009 e 2013. Cerca de 47% delas morreram. Metade era do sexo masculino, enquanto o resto eram mulheres e meninas — a maioria delas com menos de 18. E, enquanto gangues eram rotineiramente culpadas, a polícia foi envolvida em uma perturbadora proporção dos casos.

Balas perdidas podem ser evitadas. O que é necessário, no entanto, são estratégias integradas em nível municipal, estadual e federal. Isso não deve traduzir-se em operações policiais truculentas. As intervenções devem centrar-se nos pontos de risco, apoiar jovens marginalizados e garantir a proteção dos civis. Estas medidas devem ser aliadas aos esforços de regular o porte de armas de fo

A atual abordagem brasileira para lidar com balas perdidas beira a negligência. Disparos aleatórios são vistos como um resultado do aumento da criminalidade. Para que essa epidemia de violência seja revertida, devem ser tomadas medidas urgentes. Isso inclui normativas mais coerentes e o uso proporcional da força por parte da PM. Em vez de reduzir o orçamento da segurança pública estadual, como está previsto para 2015, os políticos precisam aumentar drasticamente os investimentos sociais e econômicos para tornar a cidade mais segura.

Robert Muggah é diretor de pesquisas do Instituto Igarapé


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