sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Luís Inácio Adams "O acordo com as empreiteiras permite o rápido ressarcimento"

Josie Jerônimo - IstoE



Advogado-geral da União defende as negociações de leniência no escândalo da Petrobras e afirma que essa prática vai permitir o resgate da reputação das empresas


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PAPEL DA AGU
"Não defendo uma advocacia de partido, mas defendo uma advocacia
que defenda o governo, parte permanente do Estado", diz Luís Adams


Em dezembro, ISTOÉ revelou que estava em curso um acordão, tramado com a participação de representantes das empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato, a fim de evitar maiores danos ao Palácio do Planalto. Pelo acerto, as empreiteiras pagariam multas para não serem declaradas inidôneas. Em troca, continuariam a disputar obras públicas e seus dirigentes poderiam cumprir as futuras penas em regime de prisão domiciliar. Os casos dos parlamentares mencionados seriam remetidos ao Supremo Tribunal Federal (STF) para investigações posteriores. Diante desse cenário, os executivos das empresas evitariam constranger o governo em eventuais delações. A parte final do acordo começa a se materializar agora. Quem está no centro das negociações é o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Luís Inácio Adams. O acordo de leniência, que ele propõe, é um instrumento legal criado em 2013 para ajudar no combate à corrupção. Essa legislação permite também o ressarcimento de recursos desviados dos cofres públicos. Até agora, esses acordos haviam sido feitos apenas nos processos no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e, por isso, ainda há muitas dúvidas sobre seu alcance.

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"A AGU até hoje defende o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em ações
populares de improbidade. Quando ele deixou o governo, havia 200 ações.
Hoje restam umas cinco, que estão para serem arquivadas"


Os procuradores que atuam na Lava Jato se opõem aos moldes do acordo. Defendem que sejam feitos pelo MP e não pela Controladoria-Geral da União (CGU), órgão do governo. Na opinião do advogado-geral da União, no entanto, a argumentação do MP é política e o novo procedimento não afetaria a punição penal. “Essa hipótese é descabida, pois o acordo é apenas para processos administrativos”, afirmou Adams. O advogado-geral da União diz ainda que, agora, a grande dificuldade é definir o valor dos desvios de corrupção, para estabelecer quanto deve ser devolvido aos cofres públicos. No caso da Petrobras, diz, os parâmetros para o cálculo devem ser estabelecidos pela própria estatal. O ministro também rebate os argumentos dos que defendem o impeachment da presidente Dilma e revelou que a AGU até hoje defende o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em ações de improbidade.

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"A Delta deixou de existir. Caso a empresa não peça o acordo ou
não mostre que não teve envolvimento, a decretação de
inidoneidade se torna muito grande"


Como funcionam os acordos de leniência que o sr. defende para combater a corrupção?

A Lei Anticorrupção se destina à empresa. O corruptor é uma pessoa física. O objetivo da lei é coibir a corrupção, pela punição ou pela mudança de práticas. Para isso, a lei oferece o instrumento do acordo de leniência, que incentiva a empresa a agir com práticas anticorruptivas. O acordo de leniência é um instrumento de combate à corrupção porque ele se estabelece por meio de algumas premissas. O primeiro preceito é o reconhecimento do ato ilícito, o que favorece a apuração da responsabilidade de pessoas físicas pela colaboração com a investigação. O acordo (com as empreiteiras) também permite o rápido ressarcimento ao erário. Não interessa se a empresa teve um processo decisório, se o conselho de administração se reuniu. Interessa se ela será responsabilizada pela prática do agente. Para isso, a lei prevê penas muito duras – de multas sobre o faturamento anual à decretação de inidoneidade. Há a possibilidade, inclusive, da extinção da empresa. 

Alguns advogados das empresas reclamam de insegurança jurídica para fechar acordos. A falta de regulamentação da Lei Anticorrupção prejudica as negociações?

A Lei Anticorrupção é autoaplicável. A exigência da regulamentação é muito restrita. Os elementos essenciais a um processo de acordo nós conseguimos estabelecer. A lei exige objetivamente a colaboração e o reconhecimento do ilícito. O ressarcimento não é uma condição para o acordo, mas nós entendemos que sim, porque a lei diz que o acordo não afasta o dever de ressarcir. O terceiro ponto é o complience (cumprimento de regras). Entendemos que está presente na lei a obrigação de a empresa mudar seu comportamento. Não pode ser só uma promessa de “eu não vou fazer mais”. É, de fato, agir para isso. 

Quais as vantagens para a União dos acordos de leniência?

 O acordo tem uma dupla função. No âmbito do Estado, é recuperar, investigar e mudar, ou seja, combater a corrupção. No âmbito da empresa, é um esforço de resgate da reputação. A empresa, quando está envolvida em corrupção, é colocada sob suspeita, como incapaz de tomar decisões econômica e moralmente adequadas. Então, ela tem que fazer um resgate da reputação, junto ao Estado, à sociedade, aos agentes econômicos, investidores. Há um elemento interessante, porque o acordo terá de ser tornado público. Uma vez tornado público, permitirá à sociedade ver as condições em que está sendo firmado. Vamos exigir auditoria externa e regras específicas de decisão que preservem o Estado em processos de contratação. 

 Nos Estados Unidos, os acordos de leniência funcionam porque o ressarcimento financeiro de danos faz parte da cultura do país. O Brasil está preparado para esses acordos?

 Não podemos fazer uma comparação linear, mas temos de reconhecer que existem institutos similares entre os dois países. O nosso desafio é compreender a complexidade do Brasil, um país tradicionalmente avesso a acordos, que aposta sempre em processos judiciais ou no Tribunal de Contas da União. O acordo é uma escolha que começou a ser introduzida no Brasil porque os processos são intermináveis. A dificuldade que nós temos de ter efetividade imediata nos processos judiciais é imensa. Nos casos de recuperação, quando chega à fase de pegar patrimônio, o patrimônio sumiu, a empresa desapareceu, fechou. Após todo esforço de recuperação, o resultado é zero. O esforço judicial é muito demorado e, infelizmente, ineficiente. Então, o instrumento de acordo de leniência antecipa esse resultado de maneira mais eficiente.

Como será feito o cálculo do valor a ser devolvido pelas empresas investigadas da Lava Jato, quando houver acordo de leniência? 

Esse talvez seja o grande desafio neste caso da Petrobras, pois existe uma dificuldade muito grande de se apurar um valor. Um acordo de leniência que indique o valor não pode ser fechado. Tem que admitir uma revisão em caso de fatos novos que venham a ser verificados no decorrer do processo. Mas acho possível haver um entendimento. Mesmo que haja diferenças, o que eu tenho visto até agora é que as diferenças não são abismais. Alguns órgãos falam em R$ 3 bilhões, outros em R$ 4 bilhões. 

 Mas, então, qual é o problema?

 Nós não temos como dizer: é esse o valor. Não existe uma métrica, uma metodologia que diga: o valor é esse. Se fosse possível, a Petrobras teria colocado no balanço. O Ministério Público oferece referências que podem ser usadas como base, mas eu acho que nesse ponto a Petrobras é o primeiro ator a fazer a sinalização.

Não há o risco de que essas negociações se transformem em um acordão que pode beneficiar as empresas nos processos judiciais? 

Essa hipótese de repercussão é descabida. O acordo de leniência é para a investigação administrativa, não para a penal. A pluralidade de legislações tem gerado confusões. Por exemplo, as associações de classe de auditores que estão criticando os acordos pedem que a Controladoria-Geral da União (CGU) não faça acordo de leniência, mas não pedem que o Cade não faça acordo. O único acordo de leniência que repercute em relação ao processo penal é o do Cade. O da CGU não repercute. Aliás, o acordo da CGU repercute positivamente porque obriga a empresa a colaborar. Se não colaborar, o acordo cai. Colaborar com a investigação é permitir que aqueles que investigam, o Ministério Público, o Tribunal de Contas da União, tenham acesso integral às informações sobre o tema que está sendo investigado, os contratos, as trocas de mensagens, os e-mails, os memorandos, as atas de reunião.

A decretação de inidoneidade da empreiteira Delta, em junho de 2012, deixou alguma experiência para os acordos de leniência, que são uma novidade na legislação brasileira?

Sim, no sentido de mostrar que a penalização que a lei prevê é muito forte. A Delta deixou de existir. Caso a empresa não peça (o acordo de leniência) ou não mostre que não teve envolvimento, a decretação de inidoneidade se torna uma possibilidade muito grande. O Estado vai aplicar sanções, não tenha dúvida disso. O processo vai seguir o seu curso. Por isso o acordo é importante. A empresa não está isolada do mundo, é núcleo de uma cadeia produtiva que tem investidores, empregados, fornecedores, contratantes e bancos que financiam. E aqui no caso (da Petrobras), nós estamos falando de 13% do Produto Interno Bruno e de mais de 50 mil pessoas jurídicas relacionadas (direta ou indiretamente) à Petrobras. 

Uma ala de servidores da AGU critica a instituição por supostamente atuar como front de defesa da presidente Dilma Rousseff. Existe limite entre a advocacia de Estado e a advocacia de governo?

 O grande problema é achar que existe uma distinção. Eu posso até conceber um governo sem Estado, mas não consigo conceber um Estado sem governo. O governo é parte integrante do Estado. Eu defendo o administrador. Quando eu defendo a ideia desse governo, não é uma ideologia partidarizada. Estão questionando não o governo, como instituição, estão questionando o partido. Eu não defendo uma advocacia de partido, mas defendo uma advocacia que defenda o governo, parte permanente do Estado. O governo eleito tem uma legitimidade majoritária, foi eleito para governar o País. Essa eleição exige que os órgãos defendam as políticas que esse governo escolhe. Isso vale para qualquer governo – para os próximos e para os do passado. A AGU, por exemplo, até hoje defende o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em ações populares de improbidade propostas contra ele. Quando ele deixou o governo, havia quase 200 ações. Hoje restam umas cinco, que estão para serem arquivadas. 

Qual é a opinião do sr. sobre pareceres de juristas que apontam causas para um processo de impeachment da presidente?

Não existe nenhum elemento objetivo que justifique esse argumento de impeachment. Falar de impeachment é replicar uma disputa política, manter acesa uma disputa.