sábado, 7 de fevereiro de 2015

"O Sinatra que eles queriam ser", por Ruy Castro

Folha de São Paulo


Em fins dos anos 70, quando as multinacionais do disco decretaram a ditadura do rock em escala mundial, a arrogância de certos roqueiros chegou ao auge. Um deles, Rod Stewart, disse com desprezo: "Nós não somos Frank Sinatra". Queria dizer que não eram caretas, não cantavam canções românticas, não usavam smoking, não faziam shows em Las Vegas e não eram amigos de presidentes dos EUA. Eram "rebeldes". Embora o rock os tivesse tornado milionários, era preciso manter a aura de "rebeldia".
Mas, já então, um certo padrão se afirmara. Se a carreira de um deles parecia emburacar, ele se convertia aos standards --o repertório de Sinatra. O primeiro foi Ringo Starr, o único Beatle incapaz de sobreviver sem os Beatles. Em seu disco "Sentimental Journey", de 1970, ele -- cantando!-- submeteu clássicos como "Night and Day" e "Stormy Weather" a um massacre que Lennon e McCartney nunca o deixaram fazer com as canções deles.
Depois, foi a cantora Linda Ronstadt. Em 1983, com suas vendas minguando, ela gravou um LP, "What's New", todo de standards e com arranjos de... Nelson Riddle --o mesmo de Sinatra--, com o qual voltou às paradas. E, de 2002 a 2010, quem lançou cinco álbuns intitulados "The Great American Songbook", destruindo dezenas de canções com sua voz de lata? Rod Stewart. Que faz show hoje em Las Vegas, de smoking e cantando standards.
Agora é a vez de Bob Dylan assassinar canções indefesas, como "Autumn Leaves" e "Why Try to Change Me Now?", em seu novo disco "Shadows in the Night".
Pensando bem, what's new? Roberto Medina contou outro dia a "O Globo" que só conseguiu produzir o primeiro Rock in Rio, em 1985, porque Sinatra (que ele trouxera ao Rio em 1980) garantira sua seriedade para os empresários americanos --inclusive o de Rod Stewart.