sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

"Propriedade privada é roubo?", por Reinaldo Azevedo

Folha de São Paulo


José Renato Nalini, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, disse coisas estranhas sobre o direito de propriedade. Amigos me asseguram ser ele um bom homem. Preferiria que fosse mau. Seria menor a chance de a tolice prosperar.

Li no site da Folha que Nalini pretende implementar varas especializadas em conflitos fundiários. Ele deixa o cargo no fim do ano. Até aí, bem! O resto da reportagem traz uma tão fabulosa coleção de perigosas ligeirezas que cheguei a duvidar da fidedignidade da reprodução. Não li correção. O doutor pensa aquilo mesmo.

Nalini quer criar as tais varas para corrigir o que considera distorções na formação dos juízes, que se ocupariam excessivamente do direito de propriedade. 

As ditas-cujas estariam sendo pensadas por "representantes da sociedade civil, Ministério Público, Defensoria Pública e as secretarias de habitação do Estado e do município de São Paulo". Sei. Uma associação de defesa da propriedade privada, por exemplo, é "sociedade civil" ou "militar"? Devo entender que só é legítimo um movimento que invada uma área, mas nunca um que a proteja de invasão?

O presidente do TJ exibe opinião pouco lisonjeira sobre o padrão intelectual dos juízes do Estado, cuja formação precederia, diz, a Constituição de 1988 e o Estatuto das Cidades, que reconhecem a função social da propriedade, fundamento que estaria sendo ignorado em liminares de reintegração de posse.

Ele se escandaliza que pelo menos 100 tenham de ser cumpridas em São Paulo em 2015. Não lhes parece que o excesso deriva da indústria de invasões? Sou apenas um homem lógico. O doutor sente o cheiro de um bolor ancestral na Justiça, que estaria apegada ainda às Ordenações Filipinas e Manuelinas. Com a devida vênia, é uma bobagem jurídica e histórica.

Nalini chegou ao topo da carreira achando que o Judiciário é um Poder muito "burocratizado e conservador". Tá. Daí entender que a mudança tenha de ser "arrancada a fórceps". Huuummm... Seria, pelo visto, algo mais bruto do que a "Escolinha do Professor Raimundo do Fim da Propriedade"! Desde quando consciência de juiz combina com "fórceps"?

Há outras confusões. O desembargador diz ver no STF uma tendência crescente de decisões que levam, sim, em conta a questão social. E especula: "O Supremo já deu uma guinada bem sensível rumo ao novo constitucionalismo, com Ayres Britto e Luís Roberto Barroso. O Gilmar Mendes foi uma revolução. E, agora, na presidência, tem um professor de direito público [Ricardo Lewandowski], que tem tudo para impor essa guinada".

Botar esses quatro no mesmo saco corresponde a dizer que um jumento e Schopenhauer se igualam porque mamíferos. O único que se filia ao tal "novo constitucionalismo" é Barroso. E seu livro a respeito é ruim numa altitude nova.

As tais varas, para a prática do "fórceps", precisam da aprovação do Órgão Especial do TJ-SP, formado por 25 desembargadores. Então ficamos assim: 

segundo os critérios de Nalini (não meus), ele só fará o que quer se estiver errado.

Mas espero, então, que esteja certo para que não prospere a sua ideia errada. Entenderam?

PS – Deixei a Lava Jato de lado hoje. Ontem, pedi a cabeça de Dilma. Na próxima, peço a de Cardozo. O Marat de Dois Córregos tirou uma licença para defender a propriedade dos outros, que faz a sua civilização.