segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

"Um Cavalo de Troia", editorial de O Globo

Nos 12 anos de inquilinato no Palácio do Planalto, houve momentos em que o PT cedeu a tentações autoritárias, superadas, felizmente, pelo jogo próprio da política e a ação das instituições.

No primeiro governo Lula, a latente preocupação de petistas com a liberdade de expressão e de imprensa em particular — na frente de esquerda que compõe o partido há facções autoritárias — inspirou, no Ministério da Cultura, por exemplo, a criação de uma agência (Ancinav) para controlar o conteúdo da produção audiovisual brasileira. Ou seja, censura e dirigismo.

À mesma época, surgiu, de idêntica fonte inspiradora ideológica, o Conselho Nacional de Jornalismo, um ente paraestatal desenhado para coagir os profissionais de imprensa. A agência e o conselho, diante do justificável ruído que criaram, tomaram o caminho da gaveta, por decisão sensata de Lula.

Mas a índole autoritária de frações do petismo é indomável. E sempre será assim, devido às heranças históricas de parte do PT. E isso, mais uma vez, ficou visível no primeiro governo Dilma, na criação dos chamados “conselhos populares”, para atuarem junto à administração direta e mesmo próximos a estatais. Além disso, foi instituída a “Política Nacional de Participação Social”, e todo um sistema de conselhos — já existem vários — ficaria subordinado, não por acaso, ao então ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência Gilberto Carvalho.

Trata-se de poderoso instrumento de “democracia direta”, coerente com a oposição que o PT faz à democracia representativa, um dos regimes mais estáveis.

O Planalto pode até desejar alterar as fronteiras da democracia brasileira, mas não por decreto-lei. Pois foi numa penada da presidente Dilma, pelo DL 8.243, que o governo adulterou a democracia representativa no país. Lideranças no Congresso alertaram o Planalto que a iniciativa não prosperaria.

E, de fato, um decreto de origem no Legislativo tratou de derrubar a ousadia do Planalto, no final de outubro, na Câmara, logo após a reeleição de Dilma. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), avisou que acontecerá o mesmo na Casa.

O problema não está na criação em si de comissões, tampouco em mecanismos que facilitem a participação mais ativa da sociedade em decisões de governo. O avanço da internet está aí para facilitar essa interferência positiva do eleitor em temas tópicos. Os Estados Unidos são exemplo de plebiscitos bem conduzidos.

O decreto 8.243 tem outro objetivo: povoar o Estado de comissões a serem formadas por representantes de “movimentos sociais”, todos de alguma forma ligados ao PT. Daí Gilberto Carvalho, o petista mais próximo desse universo, ter sido escolhido para executar a tal política de “participação social”.

Na essência, o 8.243 é um Cavalo de Troia que contrabandeia para a ordem jurídica do país o aparelhamento e a subordinação do Estado a interesses partidários — do PT.