sábado, 28 de março de 2015

"A degradação ética na base da Federação", editorial de O Globo

Nada menos de 70% dos prefeitos do Rio de Janeiro eleitos em 2012 são investigados por improbidade administrativa, uma realidade que mina a representação política


Dos 92 prefeitos fluminenses eleitos em 2012, 70% têm algum tipo de contencioso administrativo. Nada menos de 64 chefes do Executivo municipal são alvo de investigações e denúncias, seja na esfera judicial, criminal ou na área de responsabilidade funcional, não raro em mais de uma delas.

A tradução no varejo dos números desse percentual de “malfeitos” tanto espanta quanto envergonha o eleitor. Em especial aquele que, acreditando ter depositado na urna um voto contra velhos e condenáveis métodos de gestão pública, está colhendo o mesmo fruto vencido da improbidade, do desperdício, do fisiologismo e da corrupção — que, com preocupante constância, tem maculado o exercício da política no país.

É revelador o levantamento, publicado esta semana no GLOBO, dos prontuários de políticos que fazem dos resultados das urnas um anteparo para o patrimonialismo e o mau uso em geral de verbas públicas. Processos colhidos nos arquivos ou na pauta de organismos institucionais como a Justiça eleitoral, o Ministério Público e a Polícia Federal dão a medida desse desmando. Dos prefeitos investigados, 50 alternam a cadeira na chefia do Executivo com o banco dos réus. Treze deles já foram condenados por ações de improbidade administrativa. Juntos, 65 mandatários municipais são objeto de pelo menos 118 ações por gestão que contraria o protocolo do cargo, dez processos penais e 86 inquéritos.

Nesse quadro em que o que está em jogo é o dinheiro do cidadão alguns prefeitos se destacam mais que outros. Um dos campeões da improbidade é o alcaide André Granado (PSC), de Búzios. Com um prontuário de dez ações por irresponsabilidade administrativa e duas penais, uma das quais já lhe custou um condenação, ele foi proibido recentemente pela Justiça a fazer qualquer nova contratação de servidor. Outros nem se dão ao trabalho de mascarar a corrupção — caso do prefeito de São Sebastião do Alto, Mauro Henrique (eleito pelo PT), preso por agentes federais no momento em que foi recolher em pessoa uma propina. Dois mandatários já foram cassados e outros tantos, acusados de enriquecimento ilícito.

Mais do que nomes, o que preocupa nesse deletério perfil é que se trata de pessoas que estão na base do sistema de representação política, pilar do Estado de Direito. A repetição dessas práticas revela desapreço pelos eleitores e configura uma inversão de valores, com interesses particulares se sobrepondo aos da sociedade. Sobretudo, tais métodos são demonstrações de que o país precisa enfrentar de vez temas inadiáveis de sua agenda política. Iniciativas como a instituição de uma cláusula de desempenho e o fim das coligações em pleitos proporcionais são cruciais para fortalecer o pressuposto programático dos partidos, e estabelecer princípios éticos na definição de candidaturas. A redução no número de legendas ajudará num choque de ética.