sábado, 7 de março de 2015

"A solução parlamentarista", por Ruy Fabiano

Com Blog do Noblat


No verdadeiro parlamentarismo, o atual governo já teria sido dissolvido, novas eleições convocadas e os agentes do Petrolão não estariam na Praça dos Três Poderes

O Brasil republicano jogou no lixo da História, em momentos e circunstâncias distintos, mas com a mesma sem-cerimônia, duas oportunidades de construção de sua estabilidade política: os plebiscitos de 1963 e 1993.
Em ambos – governos João Goulart e Itamar Franco, respectivamente -, foi-lhe posta a opção pelo sistema parlamentarista de governo, responsável pela relativa estabilidade política com que se firmou como nação independente, ao tempo dos primeiro e segundo reinados.
Foi, naquela ocasião, vital para que o país - recém-formado, padecendo de insurreições separatistas nas províncias - mantivesse sua unidade territorial e amortecesse tensões políticas, econômicas e sociais, que não eram (como ainda não são) poucas.
A república, ao optar pelo modelo presidencialista norte-americano – que somente lá ajustou-se à democracia -, acabou mergulhando o país no pesadelo dos regimes autoritários. Pode-se dizer que a República presidencialista, inaugurada com um golpe militar, entrou na História pela porta dos fundos.
Desde então, o país oscilou entre ditaduras e breves interregnos democráticos. O presente período de democracia, inaugurado com a eleição de Tancredo Neves, há 30 anos, é o mais longo da nossa república – mas, nem por isso é estável.
O temor de retrocessos sempre esteve presente nos períodos democráticos. Agora mesmo, diante das obscenidades do Petrolão - o maior escândalo de que se tem notícia -, tendo como pano de fundo um governo cúmplice e impotente diante de uma crise econômica que ele mesmo construiu, há imensa perplexidade (e imprevisibilidade) quanto ao futuro imediato do país.
Isso porque o presidencialismo não deixa alternativa: ou tolera-se um governante inepto por todo o seu mandato – mesmo sabendo que conduz o país ao abismo – ou investe-se em sua deposição, que estabelece o conflito e o confronto. O impeachment é recurso legal, mas nem por isso deixa de ser traumático.
No parlamentarismo, as crises são estancadas com a queda do gabinete de ministros. Cai o governo (não o presidente, que tem função restrita e simbólica), fazem-se novas eleições e o país retoma seu ritmo, renovado, com outros governantes.
O eleitor tem a oportunidade de rever seu voto, quando se sente logrado por quem elegeu. O limite do mandato não é de quatro anos – mas de até quatro anos. Pode durar uma semana, o que reduz a frouxidão moral dos governantes. O funcionalismo público é profissional e impermeável ao aparelhamento. Entra governo, sai governo, e a máquina administrativa é a mesma.
Se João Goulart não conspirasse contra o parlamentarismo, adotado em 1961 para garantir sua posse, não teria havido o golpe de 64. A renúncia de Jânio Quadros, seu antípoda ideológico, frustrou a maioria que o elegera, impondo-lhe um sucessor que vibrava em outra frequência doutrinária. Instalou-se a crise.
Foi Tancredo Neves quem negociou a solução parlamentarista, tornando-se primeiro-ministro. Tão logo, porém, tomou posse, viu-se diante de uma campanha de sabotagem ao novo regime, comandada por Leonel Brizola e pelo próprio Jango, e que acabaria triunfando no plebiscito de 63, que restabeleceu o presidencialismo e desembocou no golpe militar.
Na Constituinte de 1988, o ânimo inicial era parlamentarista. A adoção, por exemplo, das medidas provisórias, sob inspiração do modelo parlamentarista italiano, pressupunha aquele sistema, conferindo-lhe funcionalidade. Mantidas no presidencialismo, tornaram-se um corpo estranho à democracia.
O então presidente Sarney conspirou contra a mudança. Seu ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, pôs em cena o aparato de concessões de emissoras de rádio e televisão aos políticos e obteve maioria para impedi-la.
O recurso dos parlamentaristas foi inserir, nas Disposições Transitórias da nova Carta, um plebiscito para cinco anos depois, para que o povo fizesse sua opção.
Não houve, porém – repetindo o que se dera no governo Goulart –, qualquer esclarecimento a respeito do que cada opção oferecia. O tema foi tratado com a retórica demente dos palanques. E, como se não bastasse, misturou-se a questão parlamentarista com a monarquia, o que confundiu ainda mais o eleitorado.
Prevaleceu o presidencialismo, no formato em curso, que levou o país mais uma vez ao presente dilema: como compatibilizar um governo predatório com a estabilidade democrática?
No presente quadro de ingovernabilidade, assiste-se a uma queda de braço da presidente Dilma com o Congresso. Os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, a desafiam, rejeitando sua agenda e impondo-lhe outra. 
É um parlamentarismo pelo avesso, caótico, que desgasta ambos os poderes e, além de bagunça política, gera disfuncionalidade à administração pública.
No verdadeiro parlamentarismo, o atual governo já teria sido dissolvido, novas eleições convocadas e os agentes do Petrolão não estariam na Praça dos Três Poderes, mas nas delegacias e tribunais. A população estaria poupada dos vexames em curso.
É possível que a crise reponha o tema. O senador José Serra é autor de proposta nesse sentido, que apresentou quando ainda deputado. A crise pede saídas reestruturantes – e essa tem raízes históricas positivas.
Senador José Serra (Foto:  Jefferson Rudy / Agência Senado)Senador José Serra (Imagem: Jefferson Rudy / Agência Senado)