quinta-feira, 26 de março de 2015

"De homens e de máquinas", por Clóvis Rossi

Folha de São Paulo


Gustavo Barba, vice-decano do Colégio Oficial de Pilotos da Aviação Comercial da Espanha, levanta uma hipótese assustadora para eventualmente explicar o acidente com o avião da Germanwings, que deixou 150 mortos na França.

Em artigo para "El País", ele diz que "o uso maciço de tecnologia faz com que os pilotos percamos nossas habilidades básicas de voo manual, porque já praticamente não as usamos nem as treinamos".

Ufa. Mesmo para quem, como eu, não tem o mais leve medo de voar, é aterrador saber que, se o computador substitui o piloto em quase todas as funções, o homem já não consegue substituir o computador quando eventualmente necessário.

Barba dá dados objetivos para reforçar o seu argumento: "Treze dos 21 ac­i­den­tes do ano passado aconteceram na fase de cruzeiro [teoricamente a mais tranquila do voo, ainda mais em boas condições atmosféricas, como as que havia nos Alpes franceses], de­pois que os pi­lo­tos per­deram o controle da aeronave, sem saber muito bem por que e sem ser ca­pa­zes de re­cu­pe­rá-lo".

Parece filme de terror, daqueles clássicos em que o homem tenta dominar a máquina, mas esta se recusa a obedecê-lo e o conduz a um final trágico.

Barba acrescenta que, em muitos casos, os pilotos não podem detectar as falhas dos sistemas e computadores e, portanto, são incapazes de intervir para corrigi-las.

Não seria essa uma possível explicação para o que até agora é o maior mistério da aviação comercial do planeta, o desaparecimento do voo 370 da Malaysia Airlines, que faria a rota de Kuala Lumpur (Malásia) para Pequim?

O avião desapareceu no dia 8 de março do ano passado e, passados um ano e 18 dias, não há o menor indício de onde está e do que aconteceu com ele. A menos que se tenha tratado de um atentado terrorista, o razoável é supor que os pilotos, se tivessem controle do aparelho, teriam emitido algum sinal antes da queda.

Não tenho, como é óbvio, a menor condição de dizer se o fato de a máquina sobrepor-se ao homem é a causa (ou uma das causas) do acidente da Germanwings ou da Malaysia Airlines.

Também é óbvio que não se trata de propor a volta dos controles manuais, para evitar que os computadores se tornem donos da vida e da morte dos passageiros.

A segurança dos voos é continuamente aperfeiçoada, tanto que, nesta era de intensa automação, o número de acidentes foi, em 2014, o menor possível: 2,38 acidentes para cada milhão de voos.

Não há meio de transporte mais seguro, desnecessário repetir. Mas não basta para consolar parentes das vítimas ou passageiros que têm medo de voar.

Como a indústria da aviação é a mais empenhada em assegurar a segurança dos voos, espera-se que se examine, agora, a possibilidade levantada por Gustavo Barba.

Máquinas e homens falham eventualmente, por mais preparados que sejam. Contra falhas humanas, há pouco que as máquinas possam fazer, mas é desejável que se permita ao ser humano tentar corrigir as falhas eventuais das máquinas.