Antes do enfrentamento do tema, duas desmitificações:
1) impeachment não é golpe, e jurista que pede sua aplicação não é plantonista de soluções antidemocráticas. O impeachment é instrumento expressamente previsto na Constituição (art. 52, I e II), cabível quando certas autoridades –entre elas o Presidente da República– cometem crime de responsabilidade;
2) mídia não é sinônimo de oposição; quem as iguala não faz mais do que expressar a convicção de que se deva adotar o controle da imprensa (e o amordaçamento da liberdade).
Há, sim, condições jurídicas amplas para deflagrar o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
A denúncia de um presidente por crime de responsabilidade é iniciativa do cidadão (lei nº 1.079/50). Deve a denúncia ser acompanhada de documentos que constituam início de prova ou indício de prática criminosa. A denúncia não tem de carrear prova definitiva; há, no processo, fase probatória para esse fim.
No plano material, a configuração dos crimes de responsabilidade repousa no artigo 85 da Constituição. Mas se complementa com a tipificação consagrada na lei nº 8.492/92 –a qual diz claramente que se comete ato de improbidade administrativa não só por ação mas também por omissão (art. 10, dentre outros)– e na Lei Anticorrupção.
Se tomássemos como elemento de prova apenas as declarações à imprensa da presidente, teríamos que, ao menos por omissão –grave e repetitiva–, atentou ela contra a probidade administrativa e a integridade do patrimônio público.
A presidente já ocupou cargo na administração superior da Petrobras (votou, por exemplo, em favor da ruinosa aquisição da refinaria de Pasadena), foi ministra de Estado em áreas a que afeta a petrolífera (e seu sistema empresarial), designou executivos hoje comprovadamente larápios da grande empresa; nomeou uma presidente para a empresa que não coibiu o desastre.
E, enquanto o erário sangrava e a Petrobras perdia valor, nada se fez, até que, afinal, tudo explodiu nos noticiários e no Congresso.
Em suma, conquanto tenha talvez faltado ao Ministério Público vontade política para apontar o dedo à presidente, saem seu partido e ela seriamente atingidos do mero relato das falcatruas apuradas.
O que temos em mãos não são artifícios oposicionistas: as denúncias apresentadas confirmam que dinheiro público foi sistematicamente utilizado para subornos milionários. A isso não se pode responder com o silêncio ou com a evasiva.
Não temos dúvida em afirmar que jamais houve na história do presidencialismo brasileiro, nem mesmo na época do mensalão, tanta imoralidade e deterioração. E de nada adianta a presidente dizer que a corrupção da Petrobras começou ao tempo do presidente Fernando Henrique Cardoso –assim fosse, era dever ainda maior dos posteriores presidentes, ela incluída, bloquear desmandos, corrigir, punir e mostrar decisão. Nada disso se fez até aqui.
Note-se: o que se condena é a omissão repetida por anos a fio, permitindo o advento da catástrofe.
Vive o Brasil um momento crítico, em que a credibilidade nas instituições públicas baixou a patamares jamais entrevistos. A falta de decoro desgasta instituições e alimenta sementes do autoritarismo. A isso soma-se o fantasma da impunidade. Perdeu o país a compostura?
A recuperação da compostura é o que nos deve animar. Daí a rejeição da inviabilidade da iniciativa de impeachment. A nosso ver, o Brasil merece essa oportunidade de resgate.
SERGIO FERRAZ, 78, advogado, é membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas