sábado, 28 de março de 2015

"Omissão suprema", editorial da Folha de São Paulo

Na sessão do dia 29 de maio de 2014, Joaquim Barbosa anunciou que deixaria o Supremo Tribunal Federal. Mesmo quem não acompanhava a corte naquela data pôde se inteirar do assunto pelo noticiário, que dedicou bastante espaço à decisão do ministro.

Sua aposentadoria, no entanto, só viria a ser publicada no "Diário Oficial da União" mais de dois meses depois, em 31 de julho. Dificilmente alguém poderia declarar-se pego de surpresa com o comunicado –muito menos a presidente Dilma Rousseff (PT), a quem coube oficializar a saída de Barbosa.

De lá para cá, contudo, a despeito dos quase dez meses que teve para pensar na questão, Dilma não conseguiu indicar o novo integrante do tribunal.

A demora já foi objeto de duras críticas por parte de alguns ministros. No final de fevereiro, Celso de Mello a classificou como "irrazoável e abusiva", ao passo que Marco Aurélio Mello usou o termo "nefasto" para descrever o atraso.

Não faltam motivos para a exasperação dos dois mais antigos membros da corte. Com uma cadeira vazia, a carga de trabalho dos magistrados aumenta, o que, de acordo com eles, tem provocado o adiamento de algumas decisões.

Votações de temas constitucionais também têm sido afetadas. Como as normas internas determinam um mínimo de oito ministros para esses julgamentos, a análise termina adiada quando magistrados precisam se ausentar ou se declaram impedidos no caso.

Há, além disso, o problema do empate, inexistente com o plenário completo. A situação é particularmente delicada nas turmas. Compostas em tese por cinco membros cada uma –o presidente do Supremo não participa de nenhuma–, são responsáveis por julgar políticos, por exemplo.

Diante da hesitação de Dilma, o PMDB prepara propostas de emenda constitucional com vistas a fixar prazos para que o Poder Executivo indique integrantes do Judiciário, do Ministério Público e das agências reguladoras.

As condições da regra decerto devem passar por debate, mas seu princípio está correto. Trata-se de preencher uma lacuna na Constituição, que não delimita um período para a maioria dessas nomeações.

Ao constituinte de 1988 não ocorreu que um presidente da República pudesse ser tão omisso a ponto de precisar dessa regra.