quinta-feira, 30 de abril de 2015

"Governo pressionado", por Merval Pereira (Dilma pensou que já havia chegado ao fundo do poço...)

O Globo


 Andou meio em moda entre os petistas a avaliação de que o pior já passou. A presidente Dilma teria permanecido estável nos baixos índices de popularidade, segundo os trackings diários de pesquisas de opinião, o que significaria que ela havia chegado ao fundo do poço, de onde só poderia subir. Ledo e ivo engano, como diz o Cony.

As más notícias começaram a surgir aos borbotões. O salário dos trabalhadores teve uma queda recorde em fevereiro, a maior em 12 anos. O desemprego subiu pela terceira vez seguida. Após um déficit de R$ 7,4 bilhões em fevereiro, o governo central – que reúne Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central — registrou superávit primário de R$ 1,463 bilhão em março. O resultado representa uma queda de 54,3% na comparação com o registrado em março do ano passado.

No acumulado do primeiro trimestre, de janeiro a março, o resultado primário do governo central caiu 65,8% na comparação com o mesmo período do ano passado. O superávit primário ficou em R$ 4,485 bilhões, ante R$ R$ 13,120 bilhões nos três primeiros meses de 2014, o pior superávit do período desde 1998.

O FMI prevê que o Brasil terá a maior desaceleração da economia em mais de duas décadas. O resultado é que a presidente não tem condições políticas para convocar uma cadeia nacional de radio e televisão para falar ao povo no Dia do Trabalho. Melhor dizendo: o governo do Partido dos Trabalhadores não falará aos próprios no dia 1 de Maio, como sempre fez nos últimos 12 anos. 

Tanto Dilma quanto Lula não têm mais condições de sair na rua sem que o ambiente esteja previamente controlado pelo esquema de segurança petista. Coube ao ministro da Fazenda Joaquim Levy, o responsável terceirizado pela política econômica do governo, lembrar aos políticos que o pior ainda não passou.

Levy, quando assumiu a Fazenda debaixo de desconfiança dos petistas, tinha uma bala na agulha: cada vez que sofria um ataque de desestabilização, lembrava que o país poderia perder o grau de investimento, o que seria desastroso.

Como essa ameaça foi superada no plano imediato, os inimigos desse estranho no ninho voltaram à carga, querendo reduzir o ajuste fiscal que ele montou como medida básica para retomar o caminho do crescimento que, já se sabe, será difícil: a previsão otimista para 2016 é um crescimento do PIB de 1%, devolvendo a queda que está prevista para este ano. Na melhor das hipóteses, sairemos desses dois anos de reajustes no empate de zero a zero, quando não no negativo.

Levy teve que voltar a mostrar o fantasma do rebaixamento ontem. Lembrou que o Brasil “está mais próximo dos bonds especulativos do que exatamente do investment grade”. Se não fizermos o ajuste fiscal, a ameaça volta “a galope”, advertiu.

O ministro da Fazenda trata de coisas imediatas, como o fim de incentivos tributários, mais especificamente o programa de desoneração da folha de pagamento das empresas, que Levy chamou um dia de “brincadeira que saiu cara”. O custo anual de R$ 25 bilhões não deu retorno na geração de emprego.

A redução dos benefícios trabalhistas e previdenciários é considerada essencial pelo governo para a realização do ajuste fiscal. Enquanto isso, a presidente Dilma se defronta com um obstáculo sério no Congresso, que é o embate político da regulamentação da terceirização.

O ex-presidente Lula está campanha pública para que ela vete as mudanças propostas, alegando que elas precarizam o trabalho e retiram garantias trabalhistas, levando o mercado de trabalho para a era pré-Vargas, cuja legislação Lula tanto criticou em outros tempos. Os sindicatos estão em pé de guerra pelo país.

Mas uma boa parte da base aliada quer regulamentar a terceirização, como maneira de aumentar a produtividade da economia. O PMDB está dividido, mas pressiona Dilma a se posicionar. O momento não é de fazer bondades. Mas as maldades que são necessárias podem desestabilizar de vez o governo.