quarta-feira, 1 de abril de 2015

"Muito chique", por Ruy Castro

Folha de São Paulo


Uma coisa é certa: o nível dos acusados do petrolão é muito mais alto que o do mensalão. Nível cultural, digo. É só ver como respondem aos interrogatórios na Polícia Federal ou na CPI --serenos e articulados, colocando direito os pronomes e enunciando com gosto cada sílaba. A turma do mensalão era francamente casca grossa. Também, pudera: compare os valores que passaram pelas mãos de uns e de outros.
Até calados, os petrolões são de outra extração. Tome o ex-diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque. Apontado como um dos arrecadadores de propina para o PT--ainda estão calculando, mas parece que já chegaram aos dez dígitos--, ele justificou seu mutismo com uma bela frase do Eclesiastes, livro da Bíblia: "Há a hora de falar e a hora de calar. Esta é a hora de calar". Muito chique.
Há dias, uma busca em sua casa, na Barra, descobriu uma coleção de 130 supostas obras de arte por Miró, Chagall, Volpi, Guignard, Djanira e outros figurões da pintura. Ali estariam milhões de dólares, lavados e passados. Mas, sob o crivo dos peritos, constatou-se que, exceto por uma escultura de Frans Krajcberg, a maioria era de falsificações, reproduções e gravuras --pouco mais que uma coleção de "Gênios da Pintura" da Abril. Não importa. Talvez Duque estivesse se familiarizando com o assunto para, um dia, ir às compras dos originais.
E, num rocambolesco quarto secreto, a PF encontrou também um sortimento de joias, relógios e adereços, entre os quais 30 canetas Montblanc --"para presentear os amigos", disseram. Como torcedor da Parker, isso não me disse nada. Mas sei o que uma Montblanc representa em certos círculos.
Não será surpresa se ainda encontrarem sob a cama de Duque uma primeira edição de "A Arte de Furtar", do padre Antônio Vieira, de 1652. Um fac-símile.