domingo, 31 de maio de 2015

"Tudo pelo pessoal", por Dora Kramer

O Estado de São Paulo

Na semana passada a reforma política saiu do papel para entrar no escaninho da mesmice. Estaria até de bom tamanho se ao fazer andar a reforma a Câmara não tivesse optado pelo modo retrocesso na única mudança significativa: o fim do instituto da reeleição.
De maneira torta – mudando a regra no meio do jogo – em 1997 o Brasil adotou regra vigente em democracias civilizadas, onde ao cidadão é dado o direito de reconduzir o governante bem avaliado e a este a oportunidade de consolidar projetos bem sucedidos. Este era o princípio e o argumento em defesa da norma.
Agora, decorridos insignificantes 18 anos, a maioria expressiva dos deputados e, segundo consta com apoio da maior parte do Senado, propõe a revogação alegando que a reeleição já cumpriu seu “papel histórico”.
De qual papel e de qual história estamos falando? Desde quando menos de duas décadas podem significar algo além de mera vírgula em termos de História? Desde nunca. Simplesmente porque não é essa a razão verdadeira.
Bem como não há fundamento na alegação de que o instituto da reeleição é o grande patrocinador do uso da máquina pública nas campanhas eleitorais. Fosse assim, teríamos de admitir que tal prática inaugurou-se no Brasil em 1997.
Seria também necessário aceitar que o então presidente Luiz Inácio da Silva não usou nem abusou do aparelho de Estado em 2010 para eleger a sucessora, apenas porque não era ele o candidato naquela eleição. Fez e aconteceu, todo mundo viu. E ali não havia reeleição. Portanto, esse não é fator determinante.
Governantes já perderam eleição no cargo. Inclusive do PT. Marta Suplicy na prefeitura de São Paulo é um exemplo. Eduardo Azeredo no governo de Minas Gerais é outro. Reeleição não é garantia, não é por si só motivo de fisiologismo nem é a “raiz da corrupção”. Óbvio que se podem fazer as coisas de maneira correta. Todo mundo sabe como fazer.
Muito bem, então, qual é o ponto? O ponto é que a reeleição teve um efeito colateral: tornou mais lento o rodízio de candidatos dentro dos partidos.
Isso quer dizer o seguinte: suas excelências não estão preocupadas com a lisura do processo coisa alguma. Só estão de olho na reorganização da fila interna de candidatos à presidência. Os tucanos, por exemplo: enquanto só tinham Fernando Henrique, a eles interessava a reeleição.
Agora que o PSDB tem Aécio, Alckmin e Serra como possíveis candidatos à presidência da República em 2018, o partido quer “abrir” o rodízio. Para os que em 1997defenderam a reeleição daquela maneira, francamente, falar o contrário nessa altura com toda essa pompa é quase uma piada de mau gosto.
Mas não foi só isso. A “reforma” manteve o sistema eleitoral como está. Proporcional. Aquele pelo qual você vota em um, elege outro e não sabe o que fez. Tudo por meio de negociações sobre as quais o eleitor não tomou conhecimento. A respeito delas tampouco diziam a vida de que é dono do voto.
Cláusula de barreira poderia dar um basta da proliferação de partidos, mas a forma frouxa negociada atendeu apenas aos interesses internos. Privilegiou as legendas de aluguel e prejudicou os partidos ditos ideológicos. Um troca-troca interno do qual o eleitor esteve fora o tempo todo.
O quem vem pela frente não desenha cenário melhor. Há ainda proposta para unificar as datas das eleições para presidente, governador, deputados, senadores, vereadores e prefeitos. Isso significa, na prática, a ocorrência de menos eleições.
Junto a isso, essa “reforma” ainda abre mais espaços para situações de infidelidade partidária. Todo o trâmite atendeu a interesses corporativos. Não houve um momento em que estivesse em jogo o ponto de vista do eleitor. Este nunca foi levado em conta.
Portanto, uma reforma que não vale. Pelo simples fato de que não leva em conta o principal.