sexta-feira, 12 de junho de 2015

"Marcola é só um Lênin primitivo", por Reinaldo Azevedo

Folha de São Paulo


Cinco homens estupraram quatro garotas na cidade de Castelo do Piauí (PI). Um deles tem 41 anos, os outros quatro, entre 15 e 17. Dois desses rapazes somam 120 ocorrências entre polícia e Conselho Tutelar. Uma das vítimas foi enterrada na segunda (8). Duas outras seguem internadas. O adulto deve pegar uns bons anos de cana. Os outros quatro estarão soltos daqui a três anos. Com alguma manha, posam de anjos da cara suja e saem antes. A ficha deles será tão limpa como a sua, leitor. O registro de seus respectivos nomes desaparecerá dos arquivos oficiais. Estarão prontos para arrumar emprego em escolinha infantil.

Na quarta (10), estudantes ligados à UNE e à UBES, aparelhos do PCdoB cujo comando é definido em eleição indireta, e militantes de outras seitas invadiram a Câmara, onde se encontravam deputados eleitos diretamente, para impedir que a comissão especial votasse o relatório de Laerte Bessa (PR-DF) favorável à PEC que baixa a maioridade penal de 18 para 16 anos. Sim, está longe de ser o ideal.

O sensato seria eliminar da Constituição a linha da inimputabilidade e definir, na legislação ordinária, as penas segundo o crime cometido e a situação objetiva do criminoso. Menores de 18 e maiores não dividiriam a mesma instituição prisional, mas a ninguém seria garantida a impunidade. Com pequenas variações nas faixas etárias, assim é em países em que há menos de um homicídio por 100 mil habitantes. No Brasil, há 26.

O que levou aqueles brucutus à Câmara? Esquerdistas, como regra, são intelectualmente brutos e brutais, embora hábeis em fingir-se de guardiões do humanismo. Contam, para isso, com a ajuda de... intelectuais! Recomendo, a propósito, o livro "O Retrato", de Osvaldo Peralva, que trabalhou nesta Folha, publicado em 1962, reeditado agora pela editora Três Estrelas.

O jornalista expõe as entranhas do PCB. Naquele passado remoto, os camaradas julgavam ter descoberto a chave do futuro da humanidade; nos dias correntes, os companheiros reivindicam o monopólio do inconformismo com as iniquidades. 

Aqueles acreditavam ser preciso eliminar os reacionários para conciliar a história com a sua vocação: o socialismo; os de agora querem eliminar os reacionários para fazer justiça.

Por alguma razão que a economia política não explica, infere-se que a delinquência comum é subproduto de uma tensão que seria revolucionária se os protagonistas da barbárie tivessem consciência de seu papel. Esse novo Rousseau é ainda mais tarado do que o original: o homem nasce revolucionário; o capital é que o corrompe.

Eis por que a incrível e triste história de rapazes assassinos e seus pais desalmados costuma mobilizar mais o verbo caridoso de jornalistas do que a das vítimas. É um mecanismo mental perverso: quando um desses menores mata, só então ele exerce o seu papel na narrativa. Tem de ir fundo no crime para ser vítima e herói trágico, provando a perversidade do sistema. Só quando mata, ele se torna, então, um verdadeiro inocente. Entenderam? Com a revolta no lugar certo, Marcos Willians Herbas Camacho seria Lênin, não "Marcola".

No livro "Rebeldes Primitivos", Eric Hobsbawm foi buscar em seitas secretas rurais, em conflitos da era pré-industrial e em movimentos milenaristas manifestações, digamos, seminais da luta revolucionária que se desenvolveria mais tarde. As nossas esquerdas primitivas acham que o homicídio é a véspera da redenção.