sexta-feira, 7 de agosto de 2015

"Esse cara é ele?", por Bernardo Mello Franco

Folha de São Paulo


Ato falho, na linguagem psicanalítica, é um deslize que revela um desejo ou pensamento reprimido. Para muitos políticos, o vice-presidente Michel Temer cometeu um dos grandes nesta quarta, ao dizer que o país precisa de alguém capaz de "reunificar a todos" e apontar uma saída para a crise.

Sempre cuidadoso com as palavras, o peemedebista passou a ideia de que está à disposição para assumir a cadeira de Dilma Rousseff. O escorregão animou defensores do impeachment, como mostrou o "Painel", mas também assustou o PSDB.

"Temer jogou a presidente aos leões quando disse que precisamos de alguém para unir o país. Só faltou imitar o Roberto Carlos e cantar 'Esse cara sou eu'", brinca o líder do partido no Senado, Cássio Cunha Lima.

Apesar do bom humor, aliados de Aécio Neves e Geraldo Alckmin estão inquietos. Se Temer assumir, o PSDB será pressionado a apoiá-lo, o que pode inviabilizar os planos de seus presidenciáveis para 2018. Entre os três possíveis candidatos do partido, a ideia só interessaria a José Serra.

Os aecistas ensaiaram uma reação nesta quinta, ao dizer que a saída para a crise não é o impeachment, e sim a convocação de novas eleições presidenciais. A ideia foi sustentada até pelo líder do PSDB na Câmara, o incendiário Carlos Sampaio.
Os tucanos sabem que a tese não tem respaldo na Constituição, mas querem evitar que o vice seja visto como a única alternativa a Dilma.

O PT também se assustou com o ato falho de Temer. O peemedebista tentou se explicar, mas não afastou totalmente a suspeita de que está a flertando com a conspiração.

O crescimento da sombra do vice pode produzir mais uma aliança inusitada em Brasília: petistas e tucanos unidos no discurso de que "o cara" não é ele. Nos dois partidos, já se ouve o argumento de que a ascensão de Temer significaria entregar o poder a um aliado de Cunha, Renan e Sarney. Alguém quer viver num país governado por esse trio?