terça-feira, 11 de agosto de 2015

"País à deriva", por Miriam Leitão

O Globo



A presidente Dilma tem resistido a mudanças no governo e a fazer qualquer concessão para atenuar a crise, argumentando que seu mandato é legítimo e foi conquistado nas urnas. De fato é, como era o do ex-presidente Fernando Collor e do ex-presidente americano Richard Nixon. Mesmo no presidencialismo, existem processos que abreviam mandatos. Ela precisa entender os riscos e a missão.
No delicado momento atual, não basta à presidente a dureza conquistada em lutas antigas. O ambiente é outro, as armas também devem ser. Na democracia, quando há uma crise de confiança desta dimensão que há no Brasil, o chefe do Executivo precisa ouvir as ruas. E elas estão cheias de eleitores arrependidos de terem votado na presidente.
Mais do que sobreviver no cargo, a presidente precisa tornar seu governo operacional. Hoje, a sensação que se tem é que ninguém governa o Brasil. O país está à deriva, se debatendo entre ondas de pessimismo na economia e de desorganização da base de sustentação do governo. Diante disso, ela precisa reorganizar as forças políticas e tomar decisões que ajudem a aumentar o apoio nas fatias do eleitorado que a rejeitam hoje, entre essas fatias estão milhões que votaram nela e se decepcionaram. Ninguém governa contra a opinião majoritária do país. Essa fragilidade presidencial é fonte de instabilidade.
A presidente decidiu rejeitar as propostas de reforma ministerial e redução do número de ministérios. Está cobrando apoio da sua base esfacelada e repete que tem um mandato dado pelas urnas. O único movimento que pode vir a fazer, segundo os jornais, é se reunir com o MST e a UNE. Sinceramente, ela acha que isso vai melhorar a governabilidade? O MST dará seu apoio à presidente. E daí? Isso vai fortalecê-la nas fatias da classe média que a abandonaram? Ela acha, com toda sua experiência de militante na juventude, que a UNE de hoje, cuja presidência há décadas é decidida em conchavos, representa mesmo os estudantes universitários do Brasil?
A crise econômica começou antes da crise política. Ela foi plantada pelas decisões tomadas no primeiro mandato. A situação atual das contas públicas requer cortes de gastos e aumento de arrecadação, medidas que precisam ser negociadas com o Congresso. Como o governo perdeu o controle de sua base parlamentar, principalmente na Câmara dos Deputados, frequentemente são aprovadas medidas que vão na direção contrária do que é necessário. Isso aumenta o risco da perda do grau de investimento e eleva a crise de confiança entre os empresários.
O mercado financeiro está pessimista, mas também os consumidores e os empresários. Ontem, o Boletim Focus, que reúne semanalmente projeções de 100 instituições financeiras e consultorias, projetou a recessão de quase 2% para este ano e previu crescimento zero no ano que vem. O Itaú anunciou que fez novos cenários econômicos. Para o departamento econômico do banco, o país terá uma recessão de 1% no ano que vem. Outras instituições estão agora revendo para pior a projeção de 2016, e isso deve levar em breve o número do Focus também para o negativo. 
Ontem foi um dia de surpresas no mercado com queda forte do dólar, depois de o real ter sido a moeda que mais se desvalorizou este ano. E a bolsa subiu. A queda do câmbio e a alta da bolsa não significam redução do problema. Na verdade, essa volatilidade é sintoma da crise. O que aconteceu com o dólar tem a ver, em grande parte, com a intervenção do Banco Central no mercado de câmbio.
Em conjuntura política tão conturbada, é normal a oscilação de indicadores de forma intempestiva. O governo precisa se fortalecer para que haja um clima de maior normalidade que tranquilize consumidores e investidores. Os índices medidos pela Fundação Getúlio Vargas mostram uma perda generalizada da confiança na economia. A confiança dos consumidores já caiu 14% este ano e atingiu o menor número da série histórica. A do empresário do comércio caiu 17% e da indústria, 18%, na mesma comparação. No setor de serviços, o recuo foi de 22%, e na construção, 26%.
É por isso que a presidente precisa mudar o governo, fazer a reforma administrativa que encomendou ao Ministério do Planejamento, melhorar a articulação política. A economia não pode ficar sangrando enquanto sua base se dissolve deixando o governo pendurado no ar.