sexta-feira, 25 de setembro de 2015

"Mesma velhice", por Ruy Castro

Folha de São Paulo


Justiça se faça ao rock: nenhuma outra música envelheceu tão bem. Tome alguns artistas do Rock in Rio e veja como eles eram em começo de carreira, nos anos 60: jovens, magros, bonitos, "rebeldes", contestadores, com longas e louras cabeleiras. Na Califórnia, as moças se furavam mutuamente os olhos pelo simples direito de contemplar Jim Morrison, o líder dos Doors.

Morrison morreu ao tomar banho, em 1971, aos 28 anos, em Paris. Se tivesse sobrevivido, teria hoje 71, e como estaria? Talvez igual à maioria dos seus companheiros de geração: velho, gordo, feio, desdentado (cocaína faz mal aos dentes), careca ou com restos de cabelo branco, botina, calça de lona, munhequeira e colete aberto sobre a barriga branca e insubmersível.

Mas, agora, vem o lado bonito da coisa. O fato de esses homens terem hoje mais de 70 anos e serem, quem sabe, diabéticos, não incomoda seus jovens fãs. Sim, os caras envelheceram, e daí? –dirão os garotos. Está certo. A idade provecta não lhes tira o direito de se apresentarem. E a mídia continua apaixonada por eles.

Bem diferente do que aconteceu quando eles surgiram nos anos 60. Naquela época, nos EUA, no Brasil e em toda parte, os artistas tradicionais, os grandes cantores, que se apresentavam bem vestidos e mal tinham passado dos 50 anos, foram varridos de cena pela chegada do rock. Os empresários e a mídia os abandonaram. Tiveram de se aposentar. Eram "velhos". O público jovem de então os desprezava porque, entre outros defeitos, eles eram adorados por seus pais –e não se admitia a um garoto de 1968 admirar o mesmo artista que seus pais.

No Rock in Rio, é comum ver avós, filhos e netos admirando o mesmo artista –três gerações incrivelmente niveladas pela mesma velhice. É inédito –nem a polca, a habanera e a umbigada conseguiram isso.