terça-feira, 29 de setembro de 2015

Um banqueiro, o caos na economia e uma curiosidade sobre as elites que votam na esquerda

Com Blog do Reinaldo Azevedo - Veja


Ricardo Lacerda, ex-presidente do Goldman Sachs no Brasil e do Citigroup na América Latina, concede uma impressionante entrevista à Folha desta terça. Impressiona pela dureza no diagnóstico, pelo destemor do prognóstico e pela clareza das medidas que pretende profiláticas. Mas eu não canso de me surpreender. Antes que faça um comentário que parece procedente, vamos a trechos de sua entrevista.
Folha – O sr. estava mais otimista em 2014 e votou na presidente. Errou nas previsões?
Ricardo Lacerda – Fui um dos primeiros empresários a apontar publicamente os erros do ex-ministro Guido Mantega. Previ a reeleição da presidente Dilma e uma condução mais ortodoxa da política econômica. Mas errei ao achar que a presidente faria isso com convicção, que optaria por um ajuste claro e profundo, que poderia resgatar rapidamente a confiança dos mercados. Hoje está claro que prevalece na cúpula do governo a crença de que existem saídas menos dolorosas para a crise. É justamente essa distância da realidade que aprofunda ainda mais a crise.
Há risco de o país ser rebaixado por outra agência?
A menos que haja um comprometimento imediato e claro com um profundo ajuste fiscal, o que já não parece provável, é certo que o Brasil será rebaixado por todas as agências. Seus critérios são similares e há rápida deterioração dos indicadores econômicos. Creio que esse efeito já está em boa parte refletido no preço dos principais ativos brasileiros –mas claro que um rebaixamento em cadeia será muito negativo.
Como os investidores estrangeiros estão vendo o Brasil?
Há uma enorme perplexidade com a completa inabilidade do governo em propor um caminho viável para sair da crise. O ambiente de negócios vive momento de caos absoluto. O governo perdeu completamente a credibilidade e houve uma paralisação de gastos e investimentos. Os empresários estão com medo de quebrar, e os trabalhadores, com medo de perder emprego. Esse sentimento negativo reverbera mundo afora e afeta nossa credibilidade com o investidor estrangeiro.
(…)
Até onde vão os juros?
Num ambiente de total falta de credibilidade da política econômica, o único elemento que pode tranquilizar investidores é a taxa de juros. Mantido o cenário atual, eu diria que não só não encerramos o ciclo de aperto monetário, como é provável que ainda seja necessário um novo choque de juros, de mais 200 a 300 pontos-base. Os juros futuros mostram isso e podemos ver a Selic próxima a 20% ao ano. Pagaremos caro por termos mantido juros artificialmente baixos por tanto tempo.
Mudaria algo no ajuste?
Acho que a proposta do governo é absolutamente desconexa. A manobra de enviar ao Congresso um Orçamento com déficit foi desastrada e em seguida o governo não conseguiu articular nenhum raciocínio lógico para defendê-la. Em segundo lugar, o governo pode pedir que a sociedade faça sacrifício, é justo, mas tem que fazer sua parte e mostrar com clareza o que defende. Ele foi eleito para liderar, mostrar caminhos, não para enviar um Orçamento e pedir que se virem para equilibrá-lo. Acho que a sociedade não aceita mais alta de imposto, o governo terá de cortar mais gastos. Senão, a inflação cortará por ele.
Como combater a inflação?
Com políticas fiscal e monetária sérias. O Brasil não foi o único no mundo a relaxar tais políticas diante da crise de 2008. O erro foi exagerar em estímulos excessivamente de curto prazo e não propor reforma estrutural. O governo não soube a hora de recuar nos incentivos para garantir a saúde das contas. Essa barbeiragem nos levou a uma combinação tóxica de baixo crescimento, explosão da dívida pública e inflação alta. Para reverter, é preciso competência e determinação por parte do governo. Não estamos vendo uma coisa nem outra. O controle da inflação foi a maior conquista social do brasileiro nas últimas décadas e é lamentável que a presidente nunca tenha dado a ele a sua devida importância.
(…)
Retomo
Vale a pena ler a íntegra. A entrevista é boa, com uma correção. Não houve relaxamento de política monetária em 2008. O mundo baixou juros, mas o Brasil elevou os seus, de forma, então, pareceu-me, desnecessária. Podem procurar. Foi assim. Mas isso é um detalhe. A minha curiosidade é de natureza intelectual.
Lacerda votou em Marina Silva no primeiro turno em Dilma no segundo. Exceção feita à promessa de um BC independente, por quê? Um dia eu ainda vou querer investigar a psique dos banqueiros. Tenho uma tese: eles se deixam contaminar pela crítica que as esquerdas lhes fazem e se sentem culpados por lucrar tendo o dinheiro como mercadoria. Aí começam a se interessar por bagres, pererecas, bicicletas, essas coisas que simulam profundezas insuspeitadas d’alma. É uma brincadeira, claro! Banqueiro vote em quem quiser.
Até na Dilma. Mas por que na Dilma? Releiam o que diz Lacerda: “O governo não soube a hora de recuar nos incentivos para garantir a saúde das contas. Essa barbeiragem nos levou a uma combinação tóxica de baixo crescimento, explosão da dívida pública e inflação alta”. Caramba! E ele votou na petista mesmo assim?
E não que isso constituísse uma exceção no petismo. Vejam os documentos produzidos pela Fundação Perseu Abramo! A crença do PT é o que Dilma fez em seu primeiro mandato. Eu me pergunto: “O que terá feito Lacerda acreditar que ela iria realmente fazer o necessário? Ele ouviu suas promessas de campanha?”. E olhem que o estelionato já não é pequeno.
Não quero pegar no pé de quem nem conheço. Mas eu sempre me pergunto o que fez a elite brasileira se encantar com o PT. Certamente não foi sua retórica socialista. Alguém se atreve a explicar? E não que eu ache que as elites devam votar necessariamente na direita porque esquerda é para os pobres. As esquerdas não são para ninguém. Seu pacto é com o autoritarismo e com o atraso.