sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Jimmy Carter: Um plano para acabar com a crise síria

JIMMY CARTER, PARA O ‘NEW YORK TIMES’



Bashar al-Assad conversa com Putin durante visita a Moscou nesta semana - Alexei Druzhinin / AP


Eu conheço Bashar al-Assad, presidente da Síria, desde que fazia faculdade em Londres, e já passei muitas horas negociando com ele desde que assumiu o cargo – geralmente a pedido do governo norte-americano, durante aquelas inúmeras vezes em que nossos embaixadores foram retirados de Damasco devido a disputas diplomáticas.

Tanto ele como o pai, Hafez, seguiam a política de não falar com ninguém na Embaixada dos EUA durante esses períodos de estremecimento, exceto comigo. Percebi que Bashar nunca se dirigia a um subordinado para pedir conselhos ou informações. Sua característica mais marcante era a teimosia; para ele, era quase psicologicamente impossível mudar de ideia, principalmente sob pressão.

Antes do início da revolução, em março de 2011, a Síria estabelecera um bom exemplo de relação harmoniosa em meio a tantos grupos religiosos e étnicos diferentes, incluindo árabes, curdos, gregos, armênios e assírios que eram cristãos, judeus, sunitas, alauítas e xiítas. A família Assad governava o país desde 1970 e tinha muito orgulho de manter esse equilíbrio em meio à diversidade.

Quando os manifestantes sírios passaram a exigir as reformas no sistema político que deveriam ter sido implantadas há tempos, Assad encarou o ato como uma iniciativa revolucionária ilegal para depor seu governo "legítimo" e, erroneamente, decidiu reprimi-los usando uma força desnecessária. Por causa de várias razões complexas, contava com o apoio de suas forças militares, a maioria dos cristãos, judeus, muçulmanos xiítas, alauítas e outros que temiam o controle dos muçulmanos sunitas radicais. A perspectiva de sua deposição era remota.

O Centro Carter está profundamente envolvido na Síria desde o início dos anos 80 e compartilhamos nossas informações com o alto escalão de Washington com o objetivo de preservar a oportunidade de solução política para o conflito que, na época, se expandia rapidamente. Apesar de nossos protestos persistentes, mas confidenciais, a posição inicial dos EUA era a de que o primeiro passo para resolver a questão seria tirar Assad do poder. 

Quem o conhecia sabia que a exigência era inútil, mas permanece a mesma há mais de quatro anos. De fato, nosso pré-requisito para a paz é uma impossibilidade.

Kofi Annan, o ex-Secretário-Geral da ONU, e Lakhdar Brahimi, ex-ministro do Exterior argelino, tentaram acabar com o conflito como representantes especiais das Nações Unidas, mas desistiram da missão, considerando-a infrutífera por causa das incompatibilidades entre os EUA, a Rússia e outras nações em relação à condição de Assad durante o processo de paz.

Em maio de 2015, um grupo de líderes mundiais conhecido como Elders (Anciões), visitou Moscou. Lá, realizamos discussões detalhadas com o embaixador norte-americano, o ex-presidente Mikhail S. Gorbachev, o ex-primeiro-ministro Yevgeny M. Primakov, o ministro do Exterior Sergey V. Lavrov e representantes de organizações internacionais, incluindo a filial moscovita do Centro Carnegie.

Eles destacaram a parceria de longa data entre a Rússia e o regime sírio, além da grande ameaça do Estado Islâmico à Rússia, onde aproximadamente 14 por cento da população são de muçulmanos sunitas. Mais tarde, questionei Putin em relação a seu apoio a Assad e as duas reuniões que tiveram naquele ano com representantes de facções sírias. Ele respondeu dizendo que pouco progresso tinha sido feito e que achava que a única chance real de acabar de vez com o conflito era se os EUA e Rússia se unissem ao Irã, Turquia e Arábia Saudita para preparar uma proposta de paz abrangente. Acreditava que todas as facções na Síria, com exceção do Estado Islâmico, aceitariam praticamente qualquer plano que tivesse o apoio desses cinco, com Irã e Rússia apoiando Assad e os outros três, em defesa da oposição. Com sua aprovação, transmiti a sugestão para Washington.

Há três anos o Centro Carter vem trabalhando com os sírios, independente de diferenças políticas, líderes de grupos oposicionistas armados e diplomatas dos EUA e Europa, para encontrar uma saída política para o fim do conflito. Essa iniciativa se baseia nas pesquisas que realizamos e nos dados da catástrofe síria, que revelam a localização das diferentes facções e provam que, ali, nenhum lado leva vantagem militar.

A decisão recente tomada pela Rússia de apoiar o regime de Assad com ataques aéreos e outras forças militares intensificou a luta, elevou o nível dos armamentos e pode engrossar o fluxo de refugiados para os países vizinhos e a Europa. Ao mesmo tempo, ajudou a deixar clara a escolha entre o processo político no qual o governo de Assad assume um papel, e mais guerra, onde o Estado Islâmico se torna uma ameaça ainda maior à paz no mundo. Com essas alternativas bem explícitas, os cinco países poderiam criar uma proposta unânime. Infelizmente, o que prevalece são as diferenças entre eles.

Há vários meses, o Irã delineou um plano geral em quatro etapas, que consiste em um cessar-fogo, a formação de um governo único, reformas constitucionais e eleições. 

Trabalhando através do Conselho de Segurança da ONU e utilizando uma proposta endossada pelas cinco nações, algum mecanismo poderia ser criado para implantar essas metas.

O envolvimento da Rússia e do Irã é essencial. A única concessão de Assad em quatro anos de guerra foi desistir das armas químicas e só o fez sob a pressão desses dois países. Da mesma forma, ele não vai encerrar a guerra aceitando condições impostas pelo Ocidente, mas pode até fazê-lo se assim lhe sugerirem seus aliados.

A autoridade de Assad poderia então chegar ao fim em um processo organizado; com um governo aceitável estabelecido na Síria, um esforço concentrado poderia então ser feito para acabar com a ameaça do Estado Islâmico.

As concessões necessárias para isso não vêm dos combatentes na Síria, mas das nações orgulhosas que alegam querer paz, mas se recusam a cooperar umas com as outras.

(Jimmy Carter foi o 39º presidente dos EUA, recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2002 e é o fundador do Centro Carter.)