sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Acordo de leniência não pode ser objeto de medida provisória, afirma entidade

Dyelle Menezes - Contas Abertas


A presidente Dilma Rousseff assinou medida provisória sobre a legislação que disciplina o acordo de leniência. A decisão aconteceu em razão do Congresso Nacional não ter votado o texto do Projeto de Lei º 3.636, de 2015, em tramitação na Câmara dos Deputados para alterar a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846, de 2013). A intenção é permitir que empresas acusadas de corrupção, inclusive as investigadas na Operação Lava-Jato, possam contratar com o poder público.


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Em nota, a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) considera que a medida provisória vai regular o acordo de leniência para salvar empresas acusadas de corrupção pela Lava Jato. “A iniciativa afronta a independência do Congresso Nacional e a Constituição, que não permite medida provisória para disciplinar matérias que tenham relação com direito penal, processual penal e processual civil”, explica.

Na nota, a entidade explica que o acordo de leniência previsto no Projeto de Lei nº 3.636, de 2015, toca em matérias que têm reflexo em questões de natureza processual civil, penal e processual penal, o que não pode ser objeto de medida provisória.

De acordo com ANTC, pela proposta em tramitação na Câmara dos Deputados, um acordo celebrado com a participação do órgão de controle interno e do órgão jurídico afastará a legitimidade do ente da Federação de ajuizar e, pior, impedirá o trâmite da ação de improbidade administrativa, assim como livra as empresas da aplicação de sanções da própria Lei Anticorrupção.

O projeto de Lei nº 3.636, de 2015, também pretende estender para a esfera penal os efeitos do acordo de leniência celebrado na esfera cível com a participação do Ministério Público. Nesse ponto, a proposta abrange questões de direito penal e processual penal.

“Por apresentar essas repercussões, essa matéria não pode, de forma alguma, ser objeto de medida provisória por vedação expressa do artigo 62, § 1º, inciso I, alínea ‘b’ da Constituição de 1988, que impede sua edição sobre direito penal, processual penal e processual civil”, explica nota.

Outro ponto destacado pela entidade é a inclusão dos Tribunais de Contas nos acordos de leniência que serão celebrados pelos órgãos de controle internos de todos os Poderes da União, dos 26 Estados, do Distrito Federal e demais de 5,5 Municípios. Para ela, isso desfiguraria a o papel fundamental daquelas instituições de controle externo conferido pela Constituição de 1988.

Uma das principais funções que o artigo 71 da Constituição Federal confere ao Tribunal de Contas é julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público.

“Ou seja, é o TCU o guardião do erário público, devendo canalizar seus esforços para proteger o dinheiro do povo e não ocupar a maior parte dos Auditores de Controle Externo com programa de ‘salvamento de empresas corruptas’ que tramaram contra o Estado brasileiro. Esse, sem dúvida alguma, não foi o objetivo da aprovação da Lei Anticorrupção pelo Congresso Nacional”, aponta.

De acordo com a Reuters, a decisão foi tomada pela presidente Dilma Rousseff depois de uma reunião na quarta-feira (16) com representantes de centrais sindicais e empresários que propuseram ao governo medidas para retomada do crescimento econômico.

Um dos pedidos feitos pelas centrais foi a aceleração dos acordos de leniência para que as empresas atingidas pela operação Lava Jato, que investiga corrupção envolvendo estatais, órgãos públicos, empreiteiras e políticos, possam voltar a fazer contratos com o governo.

Os sindicalistas alegam que a inclusão das empresas na lista federal de não idôneas -o que acontece com o envolvimento em casos de corrupção- paralisaria o setor, que é um dos que mais emprega no Brasil.

O Palácio do Planalto defende os acordos, mas esperava a decisão do Congresso, uma vez que o projeto que já foi aprovado pelo Senado e também deve ser pela Câmara sem modificações atendia aos princípios defendidos pelo governo.

Discurso

Em seu discurso, Dilma afirmou que o conteúdo da medida assinada nesta sexta é um “conjunto de aperfeiçoamento” dos mecanismos do acordo de leniência. ”O propósito maior é diminuir a incerteza e preservar empregos. Ela [MP] vai ao encontro de um dos temas da pauta do pacote pelo desenvolvimento que recebi na última terça [15] de representações sindicais e empresariais”, declarou.

“O Senado já elaborou um projeto já de alta qualidade sobre o tema. Havíamos decidido aguardar sua tramitação e aprovação na Câmara, mas fomos informados de que a análise deste projeto não ocorrerá antes do recesso. O texto [da MP] é análogo ao do Senado e nós consideramos urgente dispor de elementos mais céleres”, acrescentou.

No evento, Dilma afirmou que seu governo está “comprometido com o enfrentamento da corrupção”. Ela ressaltou que em 2013 foi elaborada a chamada Lei Anticorrupção.

“É de interesse do governo e de toda a sociedade punir agentes públicos e privados envolvidos em corrupção. É também do interesse do governo e da sociedade evitar que, ao fazê-lo, sejam causados prejuízos ainda maiores à economia e à sociedade do que aqueles já provocados pela corrupção”, declarou.

Projeto também é criticado

O Projeto de Lei 3.636 também vinha sendo criticado por abrir caminho para a impunidade aos envolvidos em escândalos de corrupção, apesar de visar permitir a participação do Ministério Público na celebração dos acordos de leniência.

Em artigo no Estadão, o presidente do Instituto Não Aceito Corrupção e membro do MPD, Roberto Livianu, e o procurador de contas perante o Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira, argumentam que isto ocorrerá porque o PL resulta de uma desconfiguração do PLS 105/15 o qual sanava uma falha jurídica sobre o tema.

“O Senado desfigurou a proposta original e criou cenário grave, que desrespeita os tratados internacionais anticorrupção dos quais o Brasil é signatário, criando impunidade ainda maior.”
Segundo afirmam, o atual texto do PL não garante a participação do MP na homologação dos acordos e, portanto, a ausência do MP poderia gerar impunidade porque se pode indevidamente reduzir de penas e garantir vantagens a um doador de campanhas.

Polêmica

Desde o início do ano uma batalha acontece em relação aos acordos de leniência, que podem influenciar diretamente nas empresas envolvidas na operação Lava Jato. A visão da sociedade civil, entidades classe e do Ministério Público de Contas é de que os acordos de leniência sejam sejam celebrado entre as empresas e a Controladoria-Geral da União (CGU) com o aval do Ministério Público Federal.

O acordo de leniência funciona para as empresas como um acordo de delação premiada para pessoas físicas. As companhias ainda respondem pelos processos mas, em troca de admitir o ilícito e ajudar nas investigações, podem voltar a assinar contratos com o governo.

Para as entidades, os acordos previstos em uma lei que tem o propósito de combater a corrupção não podem e não devem ser usados como instrumento para ‘salvar’ empresas acusadas de atos ilícitos praticados contra a administração pública.

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