George H. Bush, o pai, não deve ser confundido com George W. Bush, o filho. No seu discurso de posse, em 1989, o primeiro Bush deplorou os políticos que questionam não apenas as ideias dos oponentes, mas seus motivos.
O pressuposto da democracia é a legitimidade daquele que discorda de mim.
A alma autoritária do chavismo revela-se pela qualificação de "vende-pátria" dirigida aos oposicionistas.
Luis Robayo/AFP | ||
Militante da oposição usa faixa pedindo mudança de governo na Venezuela em comício em Caracas |
"Este país só pode ser governado pelos revolucionários", declarou Nicolás Maduro, ameaçando governar "junto com o povo e o Exército" caso a oposição triunfe na eleição parlamentar deste domingo (6).
Não são apenas palavras. A "revolução bolivariana" extraiu legitimidade de sucessivas vitórias eleitorais, mas tornou-se mais autoritária à medida em que se enraizava no aparelho de Estado.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
A Venezuela já não tem forças armadas nacionais, pois os comandos militares foram convertidos em tentáculos do partido dirigente.
Ao lado da polícia, submetida ao controle ideológico chavista, o governo criou uma "milícia bolivariana" e inúmeros "coletivos" armados. Um Judiciário reformado obedece às vontades do Executivo, encarcerando opositores em processos farsescos. O Conselho Eleitoral, dominado por fiéis, opera como agência governista.
"Na Venezuela tem democracia até demais!", exclamou Lula celebremente, apontando a frequência de eventos eleitorais.
Hoje, sob a névoa do colapso econômico, o chavismo engaja-se na supressão das últimas garantias de eleições livres e justas.
Os redesenhos dos distritos eleitorais garantem que só uma diferença avassaladora de votos dará à oposição uma maioria na Assembleia Nacional.
As prisões de líderes opositores como Leopoldo López e Antonio Ledezma, denunciadas pela ONU, a inabilitação eleitoral arbitrária de María Corina Machado, deputada mais votada do país, e os atos de violência dos "coletivos" marcaram a campanha com o selo da desigualdade.
A "revolução bolivariana" atraca no porto da ditadura.
A deriva autoritária encontrou amparo na Argentina e no Brasil. Contudo, rompendo o padrão, o novo presidente argentino, Mauricio Macri, prometeu solicitar a aplicação da cláusula democrática do Mercosul caso o chavismo fraude as eleições ou se recuse a libertar presos políticos.
Corretamente, o Brasil empenhou-se na suspensão do Paraguai do bloco quando o país vizinho promoveu um impeachment-relâmpago do presidente Lugo.
Mas, na direção oposta, o governo brasileiro articula a recusa do pedido argentino, o que representará uma violação dos princípios constitucionais de nossa política externa e a desmoralização da cláusula democrática do Mercosul.
De fato, Dilma isolará o Brasil na posição de protetor derradeiro de uma ditadura em estágio terminal.
O lulopetismo jamais engajou-se na destruição das instituições democráticas, mas compartilha com o regime chavista uma visceral aversão à pluralidade política. O teste da linguagem é sempre preciso.
Sob Lula e Dilma, a cena nacional foi intoxicada pelas sentenças dirigidas contra as motivações dos opositores ou de meros críticos do governo.
O oponente move as engrenagens de uma conspiração das elites, pratica o golpismo e veicula interesses antinacionais –é isso que ouvimos ao longo de 13 anos.
São versões amenizadas do "vende-pátria" do chavismo, cuja inspiração encontra-se no arsenal de insultos do castrismo, que selecionou o epíteto "gusanos" (vermes) para referir-se aos dissidentes.
Na pátria discursiva comum está a raiz da solidariedade prestada pelo governo brasileiro ao regime venezuelano. A postura estende-se à maioria dos nossos "intelectuais de esquerda", que se dividem entre o constrangido silêncio cúmplice e a entusiasmada defesa militante da ditadura chavista.
Como o governo, eles jamais aprenderam a contestar as ideias, não os motivos, dos oponentes.