Simone Marinho - 30.ago.2012/Agência O Globo | |
O ex-presidente do Banco Central Carlos Langoni |
GIULIANA VALLONE - Folha de São Paulo
Ainda que quisesse dar outro rumo à política econômica brasileira, o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, teria pouco espaço para adotar estímulos fiscais ou econômicos no atual cenário. Essa é a avaliação do ex-presidente do Banco Central Carlos Langoni.
"A margem de manobra hoje para dar qualquer guinada mais radical na política econômica não existe", diz, em entrevista à Folha.
Para o economista, Barbosa deve se concentrar em garantir a meta fiscal de 2016, atualmente de superavit de 0,5% do PIB, e a aprovação de medidas de ajuste básicas no Congresso, mesmo em meio à grave crise política.
"Estamos caminhando de forma muito lenta, mas o essencial tem que ser aprovado, porque o custo social da crise vai começar a aumentar de forma exponencial nos próximos meses", afirma.
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Folha - A escolha de Nelson Barbosa para o Ministério da Fazenda foi acertada?
Carlos Langoni - Foi a escolha menos traumática. O Barbosa já fazia parte da equipe econômica e, ainda que haja diferenças de enfoque ou de forma de atuar, deixou o governo [em 2013, quando era secretário-executivo da Fazenda] com um trabalho bastante conhecido que mostrava a importância do ajuste fiscal. Agora, é torcer para que ele tenha apoio interno, porque o Levy foi, em grande parte, abatido pelo fogo amigo.
Muitos dos críticos de Barbosa dizem que ele pode adotar uma política expansionista, a exemplo da implementada no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Há espaço para isso?
A margem de manobra hoje para dar qualquer guinada mais radical na política econômica não existe. Não há espaço para estímulos monetários ou fiscais.
O Brasil acaba de perder o grau de investimento [pela agência Fitch], está com uma percepção de risco muito desfavorável. Nem que houvesse desejo do governo de tornar mais flexível a política fiscal e monetária, não vejo como isso poderia ser realizado, com inflação de dois dígitos e o crescimento da dívida/PIB como está.
Seria um salto no escuro muito perigoso e, conhecendo o Nelson Barbosa, tenho certeza de que ele não correria esse risco. Além disso, políticas tem de ser decisões de governo, não do ministro.
Qualquer ministro precisa ter apoio e ideias compartilhadas pela presidente e apoiada pelos principais ministros - sem isso, não tem como avançar. Essa é a grande lição do Levy. Ele virou um Dom Quixote, combatendo os inimigos econômicos e políticos.
A primeira prioridade [de Barbosa] deve ser recuperar instrumentos de gestão macroeconômica e a credibilidade da política fiscal.
Como ministro do Planejamento, ele estava totalmente envolvido na discussão sobre o superavit primário [economia do governo para pagar juros da dívida]. Seu grande desafio será viabilizar a modesta meta de 0,5% [do PIB] em 2016.
Mas essa meta é factível? Há projeções que já falam em deficit primário de 1% do PIB no próximo ano.
Esse é maior desfaio do Barbosa. Ele precisa mostrar claramente que essa é a meta, e que se houver desvio de receita ele terá de ser compensado com corte de despesas. O país não pode ter três anos seguidos de resultado primário negativo, isso vai criar uma dinâmica extremamente perigosa. É impossível retomar investimentos com um cenário de descontrole dos gastos públicos.
E ele vai ter de explicar como atingir a meta é possível. Na minha opinião, só poderá ser feito se houver aprovação da [volta da] CPMF, e isso é difícil. Mas, se ela não for aprovada, qual é o plano B do ministro? Esse debate precisa ocorrer o mais rápido possível, para que não se perca a credibilidade.
Quais as chances de aprovar medidas importantes, como a volta da CPMF, em meio à discussão sobre o processo de impeachment da presidente no Congresso?
Essa crise grave pela qual passa o Brasil é única por seu aspecto multidimensional, essa conexão entre a crise política, a econômica e a ética.
Mas, do ponto de vista puramente econômico, o diagnóstico para melhora é muito claro. Os acontecimentos nos Estados Unidos e na Europa nos últimos anos deixaram claro que a tolerância para desequilíbrios fiscais crônicos é muito baixa. E é preciso que, independentemente da crise política, haja espaço para essa discussão.
No Brasil, o pragmatismo sempre prevaleceu sobre a ideologia. Se o governo apresentar um quadro claro da gravidade da crise e das medidas que pretende adotar, dá para aprovar pelo menos o básico.
A crise política torna ação mais complexa, mas não a inviabiliza. Estamos caminhando de forma muito lenta, mas o essencial tem que ser aprovado, porque o custo social da crise vai começar a aumentar de forma exponencial nos próximos meses. A oferta de emprego está desacelerando muito forte, o salário real registra queda. A dimensão social dessa crise vai bater de forma muito clara no Congresso e no governo, especialmente a partir do segundo trimestre de 2016, e isso vai sensibilizá-los.
Qual o papel do cenário externo neste contexto?
O ambiente externo continua hostil, os preços das commodities continuarão deprimidos. Isso obriga os países mais vulneráveis a fazer ajustes internos. Ou seja, além de tudo, teremos também a pressão da economia mundial.
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- RAIO-X: CARLOS LANGONI
Idade: 71 anos
Formação: PhD em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos)
Cargo: Diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. É membro do conselho de administração da Marfrig e presidente da Projeta Consultoria Econômica
Trajetória: Foi presidente do Banco Central entre 1980 e 1983