quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

"Desastre anunciado", editorial da Folha de São Paulo

Não foi por falta de aviso. Há muito tempo o governo Dilma Rousseff (PT) sabe –ou deveria saber– que o descaso com as contas públicas levaria o país a deixar de ser considerado um destino seguro para investimentos internacionais.

Em setembro, a agência de classificação de risco Standard & Poor's retirou do Brasil o selo de bom pagador. Nesta quarta-feira (16), outra empresa, a Fitch, tomou a mesma decisão.

Por infeliz coincidência, o segundo rebaixamento da nota de crédito se deu no mesmo dia em que o Fed (o banco central dos EUA) resolveu subir o teto dos juros americanos (de 0,25% para 0,5%) pela primeira vez em quase uma década.

As consequências desse quadro são nefastas. Verdade que boa parte dos efeitos deletérios vêm sendo registrados há meses. Um deles se traduz no chamado risco Brasil (medida do preço de um seguro contra calote do país), que quase dobrou de junho para cá e é um dos maiores do mundo.

Ainda assim, alguns resultados da perda do selo de bom pagador podem ser reforçados. Fundos de pensão estrangeiros, por exemplo, muitas vezes têm estatutos que proíbem aportes em locais considerados arriscados por pelo menos duas das principais agências.

Mesmo os investidores internacionais que não se veem formalmente obrigados a se desfazer de mais papéis brasileiros se sentirão na prática compelidos a fazê-lo.

Isso porque as agências de classificação de risco, ainda que por vezes de forma tardia, resumem uma percepção geral: como a administração Dilma não se mostra capaz de interromper a explosiva trajetória de crescimento da dívida pública, cada vez menos gente confia na solvência do governo.

A fuga de recursos para o exterior reforça o processo de desvalorização do real, que por sua vez estimula o aumento da já elevada inflação (pelo repasse dos preços de produtos importados).

A alta de juros norte-americanos agrava a situação. Embora o mercado financeiro já se preparasse desde 2013 para a resolução do Fed, a nova taxa pode ampliar o fluxo de recursos para os EUA e intensificar a valorização do dólar diante da maior parte das moedas.

Diga-se que a elevação de 0,25 ponto percentual é em si mesma pequena; o Fed, ademais, reafirmou que os próximos passos serão lentos, argumentando que a inflação nos EUA permanece baixa e convém observar o impacto que terá a decisão atual.

Por causa disso, talvez alguns países até percebam certo alívio nas próximas semanas. Dificilmente, contudo, este será o caso do Brasil. Em cinco anos, Dilma Rousseff desfez duas décadas de avanços na política econômica e deixou a sociedade exposta a uma tempestade perfeita que a arrasta para uma recessão cada vez mais profunda.