Quando a doutora Dilma foi reeleita, ela tinha uma crise econômica no forno, um ministro da Fazenda (Guido Mantega) demitido pela televisão e outro que, convidado, não aceitou (Luiz Carlos Trabuco). Contentou-se com Joaquim Levy, companheiro de Trabuco no Bradesco. Passou-se um ano, ele vai embora, e todos os indicadores mostram que a crise piorou, devendo piorar mais.
Ao contrário das crises anteriores, quando houve alguma influência de fatores externos, como altas súbitas do preço do petróleo, a encrenca saída do comissariado petista é um legítimo produto nacional. Foi produzida em Pindorama, pelo governo brasileiro. Pode-se dizer que suas origens estavam em políticas equivocadas, como a fantasia do "campeões nacionais" ou meros truques, como as pedaladas fiscais. A ruína de 2015 nem a isso se deve. Houve nela o ingrediente adicional da falta de governo. O PT atirava em Levy, que atirava na política do primeiro mandato da doutora. Ambos acertaram na patuleia, produzindo desemprego e inflação. A unção de Nelson Barbosa significa apenas que a doutora livrou-se de Levy e ele dela.
Contra falta de comando não há remédio. A crise da Década Perdida só acabou quando Itamar Franco entregou o leme da economia (e do governo real) a Fernando Henrique Cardoso. Durante todo o mandarinato de Guido Mantega, a doutora Dilma foi ministra da Fazenda e seu leal companheiro acabou pagando o pato. Com a saída de Levy, o jogo volta ao ponto de partida.
Em menos de uma semana, a inevitabilidade do impedimento da doutora foi afastada pela rua e pelo Supremo Tribunal Federal. Uma parte do tucanato já sonhava com uma partilha de ministério no governo de Michel Temer mas, na melhor das hipóteses, a festa ficou para depois. O Planalto tem o hábito de superestimar seus êxitos, subestimando suas dificuldades. A parte que lhe cabe no latifúndio da crise é sua inação. Não há melhor exemplo disso que sua perplexidade diante da epidemia do zika. Alguém poderia presentear a doutora com uma gravação de Maria Moita, de Carlos Lyra:
"Vou pedir ao meu Babalorixá
Pra fazer uma oração pra Xangô
Pra pôr pra trabalhar gente que nunca trabalhou".
Pra fazer uma oração pra Xangô
Pra pôr pra trabalhar gente que nunca trabalhou".
Dois mistérios das petrorroubalheiras
Se não bastassem a extensão e os assombros produzidos pela Lava Jato, na semana passada um auditor da Receita Federal informou que, graças a uma "medida judicial engendrada", sumiram dois navios-sonda do grupo Schahin, avaliados em US$ 400 milhões.
Em outubro, esses dois navios operavam no litoral e foram levados por tripulações desembarcadas no Brasil. Foram ao mar amparados em decisões da Justiça de São Paulo e de Macaé. Segundo a Receita, os navios eram de empresas da Schahin no exterior. Segundo os beneficiários das ordens judiciais, os barcos pertenciam a credores da Schahin. Um belo caso para o Ministério Público e a Polícia Federal dizerem o que de fato aconteceu.
Num segundo mistério, reapareceu a fornecedora de equipamentos holandesa SBM. Sabe-se que os pixulecos milionários da SBM antecederam as investigações brasileiras. Ela caiu na Lava Jato e seus negócios com a Petrobras foram suspensos ainda ao tempo da doutora Graça Foster. Agora o Ministério Público do Rio de Janeiro acusa a SBM de pagar US$ 42 milhões em propinas a diretores da Petrobras num esquema que nasceu em 1997.
Nada de novo, mas até hoje não se entendeu por que o doutor Aldemir Bendine disse o seguinte, pouco depois de assumir a presidência da empresa: "Talvez você pegue uma SBM, que é uma importante fornecedora, mas que a gente vê caminhando para uma solução".
Sem pilotos
Numa conta conservadora, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, deixou o governo há pelo menos dez dias. Essa pedra estava cantada há meses.
O que ninguém poderia esperar é que o doutor Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, entrasse em órbita mantendo-se na cadeira.
Diante do rebaixamento dos créditos brasileiros pela agência de risco Fitch, ele informou que a providência já era esperada. Esperada, era, mas se tudo o que o presidente do Banco Central tem a dizer é semelhante platitude, confirma-se que o deputado Tiririca estava errado: pior, fica.
Mais Datafolha
Uma nova revelação da pesquisa do Datafolha feita na avenida Paulista no domingo passado:
Ouvindo 1.351 pessoas ela encontrou uma percentagem de 15% de empresários e 8% de profissionais liberais. Jogo jogado. Os desempregados, contudo, eram 4%.
Em fevereiro deste ano, o índice de desempregados que buscavam trabalho em São Paulo estava em 7% e pode-se supor que tenha aumentado.
Disso resultam duas informações, boas e más, intercambiáveis, tanto para a doutora Dilma quanto para quem quer a sua destituição:
1) Os desempregados não foram para a rua, apesar da manifestação ter ocorrido num domingo.
2) Os desempregados ainda não foram para a rua.
Pirata do papagaio
O deputado Eduardo Cunha inovou o cerimonial de suas entrevistas num salão da Câmara. Era comum que aparecessem à sua volta os indefectíveis papagaios de pirata.
Cunha faz-se escoltar por um guarda-costas capaz de meter medo até mesmo em quem o vê pela televisão.
Operação recesso
Os çábios acreditam que durante o recesso terão tempo para trabalhar pelas bordas algumas deserções na bancada que segue a flauta mágica de Eduardo Cunha.
Se tivessem feito isso há um ano, talvez tivessem conseguido um candidato estranho ao PT para derrotá-lo na disputa pela presidência da Câmara.
Números paulistas
A Secretaria de Segurança do tucano Geraldo Alckmin tem um problema com os números.
Há poucas semanas os repórteres Lucas Ferraz e Rogério Pagnan mostraram que pelo menos 31 mortes atribuídas a policiais militares em agosto e setembro desapareceram de suas estatísticas. Explicando-se, a Secretaria informou que 23 mortes relacionadas com uma chacina ficaram fora da estatística porque faltavam informações nos boletins de ocorrência. Vá lá.
Às 21 horas de quarta-feira, a mesma secretaria informava que na manifestação de apoio à Dilma havia 3.000 pessoas.
No dia seguinte, corrigiu-se informando que, segundo a PM, os manifestantes foram 50 mil. Explicando a discrepância, disse que "o registro de 3.000 manifestantes refere-se ao início da manifestação". Como a mobilização começou no início da tarde, faltou explicar porque foi repetida às 21 horas.
Não saber contar é coisa que pode acontecer, divulgar explicações desse tipo são uma ofensa à inteligência alheia.
Surpresa
Investidores internacionais que estão de olho na liquidação de empresas brasileiras lidam com um novo dado. Para eles a Lava Jato deixará cicatrizes tão profundas na cleptocracia nacional que o país ganhará competitividade no item do combate à corrupção.