domingo, 6 de dezembro de 2015

"Em busca da ética perdida", por Hélio Schwartsman

Folha de São Paulo


Faz tempo que nenhum observador são descreve o PT como partido aferrado a princípios. Ainda assim, é irônico constatar que a legenda, que não hesitou em cometer o maior estelionato eleitoral da história recente do país, tenha subitamente reencontrado os padrões éticos perdidos e decidido votar contra Eduardo Cunha.

Sarcasmos históricos à parte, o dilema é real. É possível tanto defender uma ética do dever, baseada em princípios apenas, como fazem deontologistas, quanto uma abordagem mais pragmática, ao gosto dos consequencialistas. Ambas as visões permitem justificar as escolhas feitas, mas produzem efeitos colaterais bastante diferentes, que vale a pena investigar.

Para os principistas, Cunha está mais sujo que pau de galinheiro e aliviar a situação para ele sob qualquer pretexto é desde logo uma imoralidade. Já para os consequencialistas, Cunha até pode merecer opróbrio, mas é preciso hierarquizar as coisas. O mal maior, pelo menos para alguns petistas, é o impeachment de Dilma e, se o preço a pagar para evitá-lo era salvar Cunha, o certo era tampar o nariz e partir para o sacrifício.

O principismo em estado puro é insustentável. Ele representa a negação da política, compreendida como a arte de negociar e compor com o adversário. Se a moral reina absoluta, até sentar-se ao lado do infiel já configura pecado. É a lógica do EI.

O consequencialismo sem freios não se sai melhor. Se para salvar Dilma vale tudo, por que parar em Cunha? Por que não abraçar a total irresponsabilidade fiscal ou eliminar quem se ponha no caminho do que o partido entende ser bom para o país?

O dilema não tem solução. Embora humanos operemos entre as duas éticas, elas são, além de incompatíveis, ambas insatisfatórias. Pior, o fato de nenhuma delas ser lá muito consistente faz com que nos sintamos autorizados a pular de uma para a outra, o que acaba funcionando como uma licença para trapacear.