quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

"Que projeto nacional?", por Matias Spektor

Folha de São Paulo


Uma enxurrada de artigos de opinião clama esses dias por um "projeto nacional" capaz de tirar o país da lamaceira. Algo assim como uma grande estratégia para dar coerência à gestão da coisa pública em casa e ainda restaurar a posição do país fora das fronteiras.

A ideia de "projeto nacional" é recorrente na história brasileira. Ela foi usada pelo modernismo da década de 1920, pelo desenvolvimentismo dos anos 1950 e pelo autoritarismo industrializante do regime militar de Médici e Geisel.

A demanda por reprise que se vê agora é compreensível porque um "projeto nacional" funciona como guia útil para quem governa.

No entanto, é bom lembrar que um "projeto nacional" raramente é gestado como carta de intenções de olho no futuro. Na prática, quando um projeto desses toma forma, se trata de construção a serviço de um governo já estabelecido que, exercendo o poder com êxito, pretende consolidá-lo.

Mais do que expressar um suposto consenso suprapartidário, um "projeto nacional" serve aos propósitos de um grupo bem-sucedido.

De Gaulle utilizou o mote do "projeto nacional" como alavanca para forçar terceiros países a levarem uma França enfraquecida pela guerra a sério e, no processo, obter ascendência sobre seus opositores em casa. Na Índia independente do domínio britânico, Nehru usou o mote para mobilizar apoio popular à fundação de um novo sistema político capaz de dar-lhe hegemonia em todo o país.

Em nossa experiência recente, o mais próximo que tivemos a esse tipo de dinâmica foi o lulismo de meados da década de 2000.

Em casa, aquele governo uniu política monetária anti-inflacionária, redistribuição de renda sem rupturas, pragmatismo sem ideologia na hora de costurar alianças e a elevação do combate à pobreza ao topo da hierarquia de prioridades do Planalto.
O lado externo da moeda foi marcado pela premissa segundo a qual o Brasil se tornara peça necessária nos grandes temas de governança global.

A integração sul-americana seria inerentemente positiva para os interesses brasileiros e as coalizões com grandes países em desenvolvimento, uma abertura para um mundo mais justo e equitativo. O conjunto da obra ajudava a fazer do presidente um estadista.

Comentaristas tucanos denunciaram a empreitada como "hiperativa", "exibicionista" e "pretenciosa". A crise financeira de 2008 e a "nova matriz econômica" puseram fim à ideia de concepção estratégica.

É ilusão acreditar que há condições hoje para um novo "projeto nacional", seja entre as forças governistas ou as de oposição. Algo assim terá de esperar nosso próximo ciclo de poder.