domingo, 31 de janeiro de 2016

"O indesejável esvaziamento do CNJ", editorial de O Globo

Tribunais regionais se articulam, com apoio de Lewandowski, para aprovar emenda que institui estrutura sobreposta ao conselho, a fim de esvaziá-lo


Criado em fins de 2004 pela Emenda Constitucional nº 45, “da reforma do Judiciário”, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) veio para preencher um vácuo nesta enorme máquina formada por tribunais de várias instâncias, cartórios, fóruns. Máquina essencial, por óbvio, para a República e a democracia.

De maneira errônea chamado de órgão do “controle externo” da magistratura, o CNJ sempre enfrentou cerrada oposição de tribunais regionais, postura em que se destaca o de São Paulo. Daí o relacionamento entre o conselho e associações de magistrados ser tensa.

É impróprio o uso do termo “controle externo” porque a independência e todos os direitos constitucionais do juiz são mantidos, é claro. Inexiste qualquer interferência do órgão em veredictos lavrados pelos magistrados. E nem há pessoas de fora do mundo jurídico no CNJ. Portanto, não há “controle” nem tampouco “externo”.

Há, sim, vigilância em questões éticas e um cuidado especial com o lado administrativo da Justiça, um aspecto nunca considerado no meio. O ministro da Justiça é um cargo político, enquanto o presidente do Supremo — também presidente do CNJ — não tinha como se envolver em questões como essas.

O CNJ passou a estabelecer normas, inclusive no plano da ética — como na proibição do nepotismo —, e a fixar parâmetros e metas para o funcionamento dos tribunais. Acostumados a funcionar como feudos, houve revolta nos TJs.

No momento, segundo o jornal “Folha de S.Paulo”, quando o presidente do CNJ é o ministro Ricardo Lewandowski, também à frente do STF, transcorre uma operação de esvaziamento do conselho, com o suposto beneplácito de Lewandowski, oriundo da Justiça de São Paulo.

Não preocuparia tanto se o ministro apenas demorasse a colocar em pauta casos disciplinares graves envolvendo juízes e já relatados pela corregedoria do CNJ.

A maior ameaça é a ideia da emenda constitucional para criar o Conselho da Justiça Estadual. Na verdade, seria a formalização constitucional do Conselho dos Tribunais de Justiça, já existente fora da estrutura da Justiça, composto por presidentes do TJs, a principal trincheira de resistência ao CNJ. E a proposta tem apoio de Lewandowski.

Tanto que ele já instituiu, sem consultar o colegiado, dois grupos de consulta: de associações de juízes e de presidentes dos colegiados dos TJs. O movimento é claro: criar organismos que se sobreponham ao CNJ e o esvaziem.

O Congresso e organismos da sociedade precisam acompanhar o tema. Porque não interessa ao país que o corporativismo, historicamente forte na Justiça, recupere espaço com a desidratação do Conselho Nacional, e assim enterre de vez as esperanças de uma Justiça menos burocratizada, mais eficiente.