sábado, 30 de janeiro de 2016

Termos de adesão a tríplex contestam defesa de Lula

Thiago Herdy - O Globo


Quando assinou contrato com a Bancoop para obter um apartamento no Residencial Mar Cantábrico, atual condomínio Solaris, no Guarujá, a mulher do ex-presidente Lula, Marisa Letícia, sabia que unidade estava comprando. Dois termos de adesão ao empreendimento obtidos pelo GLOBO, assinados por outros compradores do mesmo edifício, mostram que o número de cada apartamento constava dos registros iniciais de comercialização.

Nos últimos dias, a defesa do ex-presidente tem sustentado que a família de Lula não teria adquirido um apartamento, mas cota do empreendimento, que somente “ao final da obra” passaria “a equivaler a uma unidade”. Os documentos mostram que no caso do edifício do ex-presidente, quem aderia ao empreendimento já sabia a que apartamento teria direito.


PT reage à nova denúncia

Em março de 2004, a dona de casa Eliana Vaz de Lima, de 43 anos, assinou termo de adesão que trazia detalhes como valores de parcelas a serem pagas e também indicação das características do imóvel: unidade com “3 dormitórios - ap 102 Ed Gijon”. O mesmo ocorre no termo assinado pelo empresário Walter Didário Júnior, de 53, em junho de 2003. O documento indica a compra da unidade “3 dormitórios/duplex - ap 153 Ed. Navia”.
Para adquirir imóvel no mesmo empreendimento, Marisa Letícia teve que assinar o mesmo termo, onde já saberia o número de seu apartamento. Os advogados do ex-presidente não informam qual unidade foi registrada no documento de compra.

Propagandas do empreendimento do Guarujá mostram que, desde o seu lançamento, em 2003, eram ofertadas unidades padrão, com 3 dormitórios, e também as opções de duplex e tríplex. Testemunhas relataram ao Ministério Público de São Paulo visitas do ex-presidente Lula, da esposa e de um de seus filhos ao tríplex 164-A. A OAS é suspeita de pagar por despesas de uma reforma realizada apenas no imóvel.

A defesa do ex-presidente Lula e de Marisa Letícia também vem afirmando que, no segundo semestre do ano passado, o casal teria optado por pedir a devolução do dinheiro investido em unidade do Solaris. No entanto, documentos obtidos pelo GLOBO mostram que, oficialmente, o prazo para fazer esta opção era 8 de novembro de 2009, exatos 30 dias depois da formalização da transferência do empreendimento da Bancoop para a OAS.

Segundo o acordo para finalização da construção do residencial, os cooperados ficaram obrigados a assinar com a OAS um Termo de Aceitação da Proposta Comercial, documento no qual deveriam constar dados pessoais do comprador, informações sobre valores pagos até aquele momento e valores a serem complementados à OAS para ter o imóvel entregue. A discordância sobre os novos pagamentos resultou em uma enxurrada de ações de proprietários, que não concordaram em ter que pagar mais e um valor total diferente do acordado inicialmente com a Bancoop.

Na Justiça de São Paulo, não há qualquer registro de ação de Marisa Letícia questionando as novas condições para aquisição do apartamento. O GLOBO perguntou à OAS e ao advogado de Lula se a ex-primeira dama assinou o Termo de Aceitação da Proposta Comercial em 8 de novembro de 2009, como estava previsto. Perguntou também porque foi dada à família do ex-presidente a chance de desistir do imóvel cinco anos depois do prazo definido para decisão dos associados. Não houve resposta.


´Lula é plano A em 2018`


Suspeito do crime de ocultação de patrimônio, o ex-presidente Lula foi intimado na sexta-feira a depor sobre o caso do tríplex no Guarujá. É a primeira vez em que ele será ouvido como investigado desde o início do escândalo da Lava-Jato, que agora avança sobre um novo imóvel ligado ao ex-presidente. Em nome de sócios de Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha, filho do líder petista, um sítio de 170 mil metros quadrados, em Atibaia, no interior de São Paulo, é o novo foco das investigações sob o comando do juiz Sérgio Moro. A exemplo do que aconteceu com o tríplex, reformado pela OAS, os investigadores suspeitam que o sítio foi reformado tanto pela OAS quanto pela Odebrecht.

Promotor de Justiça de São Paulo, Cássio Conserino marcou o interrogatório do ex-presidente e da ex-primeira-dama Marisa Letícia para o próximo dia 17. Também serão ouvidos o empreiteiro Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, e o engenheiro Igor Pontes, que acompanhou o casal numa vistoria ao apartamento durante a reforma. O imóvel, que pertenceu à família do ex-presidente, recebeu uma reforma de cerca de R$ 800 mil paga pela construtora OAS, em 2010.

Já o sítio Santa Bárbara, em Atibaia, está em nome de Fernando Bittar e Jonas Suassuna, ambos sócios de Lulinha na empresa Gamecorp. A propriedade foi comprada em 2010 e é frequentada por Lula, que passou férias este mês no local. O sítio passou por ampla reforma, ganhou suítes e área de churrasqueira. Além das construtoras, o empresário José Carlos Bumlai, amigo de Lula e preso em novembro pela Lava-Jato, também aparece como suspeito de ter colaborado com a obra.


Termo de adesão era necessário

Sérgio Roxo


Na sexta, a Polícia Federal ouviu mais uma testemunha no caso do sítio. Trata-se de Patricia Fabiana Melo Nunes, ex-dona de uma loja de materiais de construção, a Depósito Dias, em Atibaia. Ela não quis falar sobre o depoimento, mas confirmou ao GLOBO que os responsáveis pela obra gastaram cerca de R$ 500 mil em sua loja no fim de 2010. Segundo ela, as notas foram faturadas em nome de várias empresas mas, no entendimento dela, quem estava pagando era a Odebrecht. Essa informação foi revelada na sexta pelo jornal “Folha de S.Paulo”.

Ao “Jornal Nacional”, Patrícia afirmou que recebia de um homem que não soube nominar entre R$70 mil e R$90 mil por semana em dinheiro e que o responsável pela obra era o engenheiro da Odebrecht Frederico Barbosa:

— A partir de 15 de dezembro (de 2010) ele tinha equipes trabalhando em torno de 24 horas, acelerou muito e acabou dia 15 de janeiro. Tinha alguns CNPJs para os quais a gente tirava nota, mas para mim todos eram Odebrecht.

De acordo com Patricia, o arquiteto Igenes dos Santos Irigaray Neto — que é de Dourados e prestou serviços para a Usina São Fernando, de Bumlai — ocupou uma mesa em sua loja.

As suspeitas sobre o sítio tem assustado moradores. Um caminhoneiro apontado pelos vizinhos como responsável por tirar entulho do sítio negou que tivesse feito qualquer trabalho no local.

Um vendedor do Depósito Dias que teve sua foto publicada em uma revista no ano passado pediu demissão e se mudou para outro bairro, segundo o gerente da loja. Na região, Lula é mencionado como dono da propriedade.

— Sei que esse sítio é do Lula porque ouço o pessoal comentar. Mas não sei de nada que acontece aí — disse uma vizinha da propriedade.

Na quarta-feira passada, o ex-proprietário do sítio, Adalton Emilio Santarelli, foi chamado para depor. Ao GLOBO, ele disse na sexta que foi apresentado aos empresários Suassuna e Bittar por um corretor de imóveis da cidade.

— Se soubesse que era para Lula, teria cobrado mais caro porque ele deve ter muito dinheiro — disse Adalton.

Um pente-fino nos pagamentos feitos pelas construtoras Odebrecht e OAS começou a ser feito pela Lava-Jato no fim do ano passado. Pelo lado da Odebrecht, a equipe investiga se a empreiteira realizou ou intermediou obras no sítio de Atibaia e se há irregularidades nos pagamentos feitos pela empresa ao escritório do advogado Roberto Teixeira, amigo de Lula. O escritório de Teixeira figura em primeiro lugar na lista de pagamentos feitos pela Odebrecht por serviços de advocacia e consultoria. Em janeiro, a Polícia Federal identificou o agrimensor que fez serviços de topografia no sítio, Cláudio Benatti. Ao jornal "O Estado de S.Paulo", Benatti disse que foi contratado por Teixeira.

— Não vou falar mais nada sobre esse assunto — disse Benatti na sexta.

A investigação para apurar se a OAS também reformou o sítio acontece justamente por conta de sua relação com o tríplex do Guarujá. A contabilidade da construtora está sendo esmiuçada.


Indignação com Tríplex

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu que frequenta o sítio de Atibaia, no interior de São Paulo, desde que deixou a Presidência da República, no final de 2010, mas nega ser o dono da propriedade.

“Desde que encerrou o segundo mandato no governo federal, em 2011, o ex-presidente Lula frequenta, em dias de descanso, um sítio de propriedade de amigos da família na cidade de Atibaia”, afirmou Lula, em sua página no Facebook, no final da tarde de sexta-feira.

O ex-presidente ainda negou irregularidades relacionadas ao sítio e disse que o objetivo dos que fazem isso é desgastar a sua imagem. “Embora pertença à esfera pessoal e privada, este é um fato tornado público pela imprensa já há bastante tempo. A tentativa de associá-lo a supostos atos ilícitos tem o objetivo mal disfarçado de macular a imagem do ex-presidente.”

Também na sexta-feira, o petista acusou de serem levianas as acusações feitas pelo promotor Cássio Conserino, do Ministério Público de São Paulo, sobre ocultação de patrimônio no tríplex da praia das Astúrias, no Guarujá, no litoral paulista. “São infundadas as suspeitas dos promotores e são levianas as acusações de suposta ocultação de patrimônio por parte do ex-presidente Lula ou seus familiares”, disse nota divulgada pelo Instituto Lula, sobre a convocação do ex-presidente e da ex-primeira-dama Marisa Letícia para depor, no próximo dia 17.

A assessoria do petista voltou a insistir que o ex-presidente e sua mulher nunca foram donos do imóvel no litoral paulista. “Lula e sua esposa Marisa Letícia nunca esconderam que ela adquiriu, em 2005, uma cota da Bancoop, paga em prestações mensais, que foi declarada no Imposto de Renda. Mas nunca foram proprietários de apartamento em qualquer condomínio da Bancoop ou de suas sucessoras. A verdade ficará clara no correr das investigações”, prossegue a nota.

O ex-presidente ainda recebeu solidariedade de sua família nas redes sociais. O seu filho mais velho, Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, republicou no Facebook uma postagem que mostra outras personalidades que possuem imóveis valiosos, insinuando que apenas Lula é investigado por ser ex-metalúrgico.


Passaporte vencido

No PT, a ordem é reagir à nova denúncia contra o ex-presidente e manter a tese de que há uma ação orquestrada para arranhar a sua imagem. “Eles sabem qual é a liderança, qual é a força politica que tem o PT. Isso já vinha antes de a gente ter a Presidência. Tem uma série de episódios para tentar destruir o PT e destruir o Lula”, disse o presidente da legenda, Rui Falcão, em sua página no Facebook.

O dirigente do partido ainda relembrou denúncias do passado contra Lula. “São os mitos: casa do Morumbi, fortuna do Lula, conta no exterior, uma série de ataques. Não passarão”, concluiu Falcão.

O PT pretende usar as celebrações dos 36 anos da legenda, marcadas para o final de fevereiro no Rio, para mostrar que o partido está fechado com Lula. Uma das ideias em discussão é levar alguma personalidade não filiada à sigla para discursar em favor do ex-presidente. Apesar da intenção, há divergência se o ato deve ter um caráter claro de desagravo para não passar recibo.

— O presidente Lula tem toda nossa solidariedade. Ele vai ter o todo apoio jurídico e político necessário — disse o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP).

Para Teixeira, a 22ª fase da Lava-Jato, realizada na quarta-feira e batizada de Triplo X, tinha como meta desgastar politicamente o ex-presidente.

— Eles estão procurando a cabeça do Lula. Querem criar uma dúvida na cabeça da população para desgastá-lo. O objetivo deles é desgastar a figura do presidente Lula para 2018 — acrescentou o deputado.

O parlamentar ainda coloca em dúvida a legalidade da operação e a competência dos investigadores da Lava-Jato, sediados em Curitiba, no Paraná, para executá-lo.

— É ilegal. Qual a relação do imóvel no Guarujá com a Lava-Jato? Qual competência que a Lava-Jato tem para análise desse imóvel. Também não tem jurisdição. É um ataque sem tréguas à honra dele.

Teixeira não sabe, porém, se os advogados do ex-presidente vão ingressar com um pedido nos tribunais superiores para que as apurações relativas ao Edifício Solaris no Guarujá saiam das mãos do juiz Sérgio Moro:

— Isso é uma medida que a assessoria jurídica do presidente vai avaliar.

O deputado se queixou ainda do promotor Cássio Conserino, do Ministério Público de São Paulo, que também investiga o tríplex do Guarujá.

— O promotor do Ministério Público de São Paulo nem tinha ouvido o Lula e já deu declarações de que irá denunciá-lo. E agora vai ouvir o Lula com estardalhaço.

A Frente Brasil Popular, formada por movimentos sociais como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Sem Terra (MST) e a União Nacional dos Estudantes (UNE) também estão decididos manifestar apoio a Lula. O grupo já anunciou que pretende reagir e deve realizar uma reunião na próxima semana para definir a forma que fará isso.


Lula é intimado a depor


Renato Onofre, Cleide Carvalho, Tiago Dantas e Sérgio Roxo

Em meio às suspeitas envolvendo Lula, o presidente do PT, Rui Falcão, disse na sexta-feira à “Bloomberg” que “Lula é o plano A do PT para 2018, não há plano B”. A Odebrecht informou que “a construtora não identificou relação da empresa com a obra do sítio”. O engenheiro Barbosa disse, em nota, que em 2010, foi procurado por um amigo que havia sido contratado para realizar a reforma em Atibaia e que deu um apoio durante as férias.

“Nunca dei orientações sobre emissões de notas fiscais nem realizei tais pagamentos”.

O escritório de Teixeira informou que não prestou serviços nem foi remunerado para tanto pela Construtora Odebrecht. O arquiteto Irigaray, Suassuna e Bittar não se manifestaram. A OAS não se manifestou sobre a reforma do sítio no interior paulista.



PF ouve mais uma testemunha

Manifestantes cercaram o ex-vice-presidente da Engevix Gérson Almada, na saída da Justiça Federal em Curitiba, onde prestou depoimento ao juiz Sergio Moro na sexta-feira. Os manifestantes chamaram o executivo de “ladrão” e “vagabundo” e exigiram saber quem teria pago o tríplex que foi do ex-presidente Lula, no Guarujá, litoral paulista. O imóvel é um dos 11 apartamentos que foram alvo da última fase da Operação Lava-Jato, a “Triplo X”, deflagrada na última quarta-feira.

Desde o início da tarde, cerca de 20 pessoas aguardavam na porta da Justiça com o objetivo de protestar contra o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que é acusado, ao lado de Almada, de participação no esquema de corrupção da Petrobras. Os manifestantes ainda deram socos e pontapés no carro de Almada.

O agente da Polícia Federal Newton Ishii, que ficou conhecido como o “japonês da Federal”, advertiu o grupo sobre os limites da manifestação.

Os manifestantes também atacaram verbalmente os advogados que chegavam ao prédio para acompanhar os depoimentos, dizendo que “advogado que defende bandido é bandido também”.


Lula admite que frequenta sítio


Sérgio Roxo

A publicitária Nelci Warken, presa na “Triplo X” teve sua situação complicada na sexta-feira. A Polícia Federal (PF) chegou ao nome de Eliana Pinheiro de Freitas, tida como dona da Murray Holdings. Com sede nos Estados Unidos, a empresa tem pelo menos 10 imóveis no Brasil que valeriam mais de R$ 5 milhões. A mulher, porém, disse que só assinou papéis para a sua comadre, Nelci Warken. Apesar de ser “dona” da empresa, Eliana mora em um condomínio em uma rua simples na periferia de São Paulo.

A reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, conversou com a mulher pelo interfone. Ao repórter Tiago Eltz, ela disse que não é a dona da empresa, mas admitiu que assinou papéis a pedido da comadre dela, que é Nelci Warken.

A Murray foi aberta pela empresa Mossack Fonseca, que é especializada na abertura de offshores, com sede fora do Brasil e que podem ser usadas para lavagem de dinheiro.

Eliana teria aberto a empresa em Las Vegas, em 2005. No entanto, de acordo com a PF, o único passaporte que ela já teve venceu em 1991.