domingo, 28 de fevereiro de 2016

"Política monetária com juros nulos", por Samuel Pessôa

Folha de São Paulo


As economias desenvolvidas têm convivido com juro nominal nulo ou muito próximo disso. Em geral, essa situação ocorre com o fenômeno de carência de demanda agregada: após o estouro de uma bolha de ativos, como a bolha imobiliária norte-americana, em setembro de 2008, as famílias se veem muito mais endividadas do que supunham. O valor das residências, que servia como garantia para diversos empréstimos, reduziu-se muito.

Para pagar suas dívidas, as famílias aumentam (ou tentam aumentar) sua poupança e, portanto, reduzem o consumo. O baixo consumo produz deflação ou inflação muito baixa e desemprego persistente.

Nessa situação, uma solução possível é o setor público aumentar o investimento em infraestrutura financiado por meio de elevação do deficit público e, portanto, do endividamento. Trata-se da receita keynesiana padrão para economias com desemprego involuntário crônico.

No entanto, o Japão -o caso de mais longa duração de juros superbaixos- não se enquadra no diagnóstico descrito acima. Os juros japoneses são muito baixos, e a inflação também, mas não há sinais de desemprego de fatores. A taxa de desemprego é da ordem de 3,5%.

Adicionalmente, não parece que a economia apresente problemas dramáticos de crescimento. A taxa de expansão do produto per capita rodava a 1% entre 2004 e 2008 e, após 2011, tem rodado também pouco acima de 1%.

De fato, nos últimos 15 anos, a economia japonesa apresentou crescimento per capita aproximadamente igual ao dos Estados Unidos. O baixo crescimento absoluto do Japão deve-se à elevada renda per capita que já apresenta e ao encolhimento populacional.

Não obstante o baixo desemprego e a baixíssima taxa de juros, a economia japonesa tem taxas de poupança significativamente superiores às de investimento. Esse excesso de poupança pressiona os juros e a inflação para baixo.

As pessoas poupam, apesar dos juros tão baixos, a fim de constituir reserva para fazer frente a imprevistos típicos de uma economia de mercado -desemprego, doença e invalidez- ou para a aposentadoria. O risco impede que a poupança caia, apesar dos juros baixíssimos.

O juro extremamente baixo, em um ambiente de pleno emprego, sugere que há sobreinvestimento, isto é, o retorno do capital, líquido da depreciação, deve ser muito baixo ou até negativo. Esse é um sinal de excesso de infraestrutura.
De fato, a economia japonesa já é tão bem servida em infraestrutura que parece não fazer muito sentido a saída keynesiana típica de turbinar os investimentos públicos na área.

Que fazer? Restam, portanto, medidas que reduzam o risco, para estimular o aumento do consumo. É necessário que haja no Japão um Estado de bem-estar mais generoso.

No limite, os gastos adicionais do Estado de bem-estar poderiam ser financiados por meio de emissão monetária direta do banco central para o Tesouro. Quebra-se um dos pilares de uma política monetária responsável.

Juro nominal nulo como fenômeno de equilíbrio de longo prazo é uma novidade. Novidades obrigam-nos a pensar fora da caixa e a criar instituições diferentes daquelas que foram pensadas para o período inflacionário que vigorou nas economias centrais do pós-guerra até a década de 1990.