quinta-feira, 31 de março de 2016

"Descrédito", editorial da Folha de São Paulo

É bem estabelecido entre os economistas que uma recessão acompanhada de problemas de crédito tende a ser mais acentuada que o normal; sua recuperação também costuma ser mais lenta. Pois o país enfrenta justamente um colapso do crédito, público e privado, para empresas e famílias.

Os dados mais recentes divulgados pelo Banco Central, relativos a fevereiro, compõem um quadro desolador. No total, a retração em relação ao mesmo mês de 2015 alcança 16% (descontada a inflação).

Houve queda ainda maior (32%) nas modalidades direcionadas - que seguem destinações legais, como financiamento imobiliário com recursos oriundos da caderneta de poupança, empréstimos do BNDES e crédito rural.

Para ficar em só um caso, apesar de o governo Dilma Rousseff (PT) alardear a manutenção das linhas populares, os empréstimos com taxas subsidiadas para aquisição da casa própria caíram 38%.

Enquanto isso, os juros cobrados na praça disparam. As taxas médias nas modalidades livres para pessoas físicas e empresas atingiram 68,1% e 31,9% ao ano em fevereiro, respectivamente.

A explicação sem dúvida vai além das restrições de oferta de dinheiro novo por parte dos bancos.

Com queda da produção, cortes maciços de estoques e maior rigor no pagamento de fornecedores, a demanda por capital de giro se reduz de forma acentuada.
Até agora as empresas lidaram com o agravamento da crise com ajustes de custos, negociações de prazos de pagamentos e recebimentos, rolagens de dívidas em condições menos favoráveis etc.

Com o aprofundamento da recessão e a falta de expectativa quanto à sua superação, no entanto, essas medidas vão perdendo eficácia -e o risco de calotes em série se torna mais concreto. Os bancos médios já têm sido atingidos.

Ainda há certa distância, contudo, de uma situação de risco sistêmico. Apesar de terem provisionado R$ 148 bilhões para possíveis perdas, os cinco grandes bancos (Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Caixa e Santander) em geral têm sobras de capital e até mostraram crescimento dos lucros em 2015.

Eis algo surpreendente. Embora o sistema financeiro seja oligopolizado em todo o mundo, o Brasil intriga porque, aqui, os bancos, mantêm lucros estratosféricos até num ambiente econômico devastado.

Tornou-se lugar-comum dizer que, dada a notável retração de emprego e renda, o país caiu num poço e que é difícil afirmar que já atingiu o fundo. Nada mais correto, porém, quando se enfrenta a recessão mais grave dos anos 1980 -e quando nenhum sinal sugere que a retomada começou.