quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Alexandre Schwartsman: "Não há como fingir que o problema dos gastos públicos não existe"

Folha de São Paulo


Marcos Santos/USP Imagens
30/10/2014 - Brasil - Pela primeira vez em seis meses, o Banco Central (BC) alterou os juros básicos da economia. Por 5 votos a 3, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu elevar a taxa Selic para 11,25% ao ano. A taxa está no maior nível desde novembro de 2011, quando estava em 11,5% ao ano nota de real | fotos publicas
As despesas primárias do governo federal em 2015 chegaram a R$ 1,2 trilhão


As despesas primárias do governo federal em 2015 totalizaram R$ 1,2 trilhão (19,5% do PIB; eram 14% do PIB em 1997), número que não inclui os gastos de 27 Estados e cerca de 5.500 municípios espalhados pelo país.

Graças, porém, a trabalho recente da Secretaria do Tesouro Nacional, ficamos sabendo que em 2014 os três níveis de governo no Brasil gastaram R$ 2,1 trilhões, o equivalente a 36,5% do PIB, aumento de quase R$ 400 bilhões na comparação com 2010, quando o dispêndio atingiu R$ 1,7 trilhão (a preços de 2014), ou 33,8% do PIB.

Não há dados oficiais comparáveis para períodos mais longos, mas, em relatório para clientes, estimamos que entre 1997 e 2015 as despesas primárias consolidadas tenham aumentado em pouco mais de R$ 1 trilhão; R$ 808 bilhões por conta e obra do governo federal, e o restante, R$ 220 bilhões, vindo de Estados e municípios.

Dos R$ 2,1 trilhões gastos em 2014, o funcionalismo consumiu quase 1/3 do total (12,5% do PIB), distribuído de forma razoavelmente equilibrada entre os três níveis de governo, e foi, de longe, a maior despesa, superando a Previdência (8% do PIB), gastos sociais (7% do PIB) e aquisições de bens e serviços (5,5% do PIB), assim como os demais dispêndios. O leitor não deve ter maiores dificuldades para inferir quais são as prioridades do gasto público.

Como notei em colunas anteriores, a proposta de teto constitucional para a despesa pública afeta apenas o governo federal, que hoje responde por pouco mais que a metade do total. É verdade que limita a parcela que tem crescido de maneira mais vigorosa nos últimos 18 anos, mas não tem nenhum efeito sobre governos locais.

Isto dito, o comportamento relativamente mais contido destes no período resultou em larga medida do acordo de reestruturação das dívidas firmado ao fim nos anos 1990, que na prática forçou os Estados a se comprometer com o pagamento de seus débitos com a União e, portanto, a segurar seus gastos. No entanto, isso deixou de ser verdade nos últimos anos. Não é por outro motivo que muitos se encontram em Estado calamitoso, chegando a consumir 75% de suas receitas com pessoal.

Mais importante, a recente rodada de renegociação dessas dívidas abriu várias frentes que permitirão expansão do gasto estadual e municipal.

 Prestações bastante reduzidas e a postergação dos primeiros pagamentos abrem a possibilidade concreta de aumento das despesas no futuro imediato.
Contra esse pano de fundo, é de estranhar a resistência a uma proposta de ajuste extraordinariamente gradual da despesa, que, se aprovada hoje, precisará de pelo menos três anos para trazer o gasto federal para níveis observados em 2014, sem nenhum controle, repito, sobre governos locais.

Não falta quem acredite em soluções fáceis para esse dilema. Não há, como também não há como fazer o problema ir embora fingindo que ele não existe. Ou bem entendemos a esfinge ou ela há de nos devorar.

Vladimir Safatle ficou tão ofendidinho por eu ter apontado seus erros que parece ter problemas com interpretação do texto. Jamais disse que apenas economistas sabem fazer conta; apenas que ele não sabe. Tanto é que, em vez de responder a minhas objeções, usa o velho truque de tentar desqualificar o autor do argumento. Triste, mas nada surpreendente...