segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Palocci negociou propina de Belo Monte para PT e PMDB, afirma delator


A usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu - Divulgação / PR


Cleide Carvalho e Dimítrius Dantas - O Globo


Suspeito de ter movimentado R$ 128 milhões em propinas da Odebrecht, o ex-ministro Antonio Palocci foi apontado por Otávio Azevedo, ex-presidente da holding Andrade Gutierrez, como o responsável pela negociação da propina nas obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, para o PT e também para o PMDB.

Em depoimento de delação premiada, Azevedo disse que Palocci pediu 1% do valor da obra a ser dividido entre os dois partidos e indicou que as quantias deveriam ser pagas a João Vaccari Neto, do PT, e Edison Lobão, do PMDB, então Ministro de Minas e Energia. O pedido teria sido feito durante um encontro num apartamento na Asa Norte de Brasília, a convite do ex-ministro, logo depois de a então ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, comunicar que a proposta técnica da empresa havia sido escolhida para tocar as obras da usina, e que a Andrade Gutierrez seria a líder do consórcio, com participação de 18%.

Azevedo afirmou que Palocci lhe disse que o governo pretendia consolidar o consórcio tal qual Erenice havia comunicado, com a Andrade na liderança das obras, mas, para isso, "seria importante que houvesse a contribuição financeira para apoio político" ao PT e PMDB. Num segundo encontro, no escritório de Palocci em São Paulo, o ex-ministro teria indicado os nomes de Vaccari e Lobão. No depoimento, realizado em agosto passado, na sede da Polícia Federal em Brasília, Azevedo disse ainda que orientou Flávio Barra, diretor de energia da empresa, a fazer os pagamentos.

Flávio Barra já havia sido ouvido em junho na sede da PF em Porto Alegre (RS). Segundo ele, a maior parte do dinheiro foi paga por meio de doações eleitorais. Barra contou que Edison Lobão indicou o filho, Márcio Lobão, como o contato para receber dinheiro destinado ao PMDB. Como nenhum dos representantes do consórcio conhecia Márcio Lobão, o executivo promoveu reuniões individuais, de meia em meia hora, no prédio da Andrade Gutierrez no Rio de Janeiro, para apresentá-lo. Barra disse ainda que chegou a entregar a Márcio Lobão, a pedido de Edison Lobão, R$ 600 mil em dinheiro. Os dois teriam combinado por Whatsapp e o executivo levou a quantia até o apartamento de Márcio, na Avenida Atlântica, no Rio.

Autoridades suíças confirmaram a existência de contas da família Lobão no país. Os investigadores encaminharam pedido de cooperação internacional para receber as informações bancárias.

CONTRATOS FALSOS E DOAÇÕES ELEITORAIS


Outro delator das propinas de Belo Monte, Luis Carlos Martins, diretor da Camargo Corrêa, que também integrou o consórcio, ouvido em junho passado em Curitiba, disse que repassou R$ 2 milhões a Lobão por meio de falsos contratos de consultoria e de "doações eleitorais" ao PMDB. Martins afirmou ainda que o valor destinado pela empresa ao PMDB foi pago por meio de contratos falsos de consultoria com a empresa AP Energy — um de R$ 1,222 milhão e outro de R$ 1,268 milhão. Outro executivo da empresa, Dalton Avancini, teria ficado responsável por providenciar os pagamentos ao PT.

A AP Energy fica em Santana do Parnaíba num endereço já conhecido pela Lava-Jato por abrigar outras empresas de fachada descobertas pelo esquema de fraudes na Petrobras. O escritório só tem uma mesa e uma recepcionista para receber correspondência. Uma das empresas que usaram o endereço foi a JSM Engenharia e Terraplanagem, de Adir Assad, condenado na Lava-Jato.

Segundo relatório feito pela Polícia Federal, nas eleições de 2010, 2012 e 2014, as empresas que fizeram parte do consórcio construtor de Belo Monte doaram R$ 159 milhões a candidatos do PMDB por meio de seus diretórios e comitês financeiros. Em sua colaboração, o ex-senador Delcídio Amaral afirmou que a propina de Belo Monte teria como destino os principais caciques do PMDB no Senado: Renan Calheiros, Romero Jucá, Jader Barbalho e Valdir Raupp.

Berço político de Romero Jucá, Roraima foi o diretório estadual do partido que mais recebeu recursos nas três eleições analisadas: R$ 3,7 milhões. Alagoas foi o terceiro maior destino, com R$ 2,4 milhões: o estado é lar do presidente do Senado, Renan Calheiros, e governado pelo filho do senador, Renan Filho. O diretório estadual do Pará, representado no Senado por Jader Barbalho, recebeu R$ 1 milhão e o de Rondônia, ligado ao senador Valdir Raupp, recebeu R$ 500 mil. Os valores doados ao PT não foram relacionados pela PF.

A Andrade Gutierrez perdeu o leilão da Usina Belo Monte, mas recebeu a maior cota do Consórcio Construtor de Belo Monte, que foi o responsável pelas obras. Formado por empresas de menor porte, o consórcio vencedor do leilão foi articulado às pressas pelo governo após a desistência da Odebrecht e Camargo Corrêa. Meses depois, o governo optou pela proposta técnica apresentada pela Andrade e também incluiu Odebrecht e Camargo no consórcio construtor. Derrotadas no leilão, Andrade, Odebrecht e Camargo Corrêa dividiram 50% do consórcio construtor, enquanto a outra metade foi dividida entre as sete empresas que venceram o leilão.

‘TRANSFORMARAM O BRASIL NUMA DELATÓPOLIS’

O advogado de Palocci, José Roberto Batochio, disse que vai pedir ao Supremo Tribunal Federal que a delação de Otávio Azevedo seja anulada.

— É uma história absolutamente falsa, uma versão para sair da cadeia. Ele não tem como provar que Palocci participou desta negociação. Para sair da cadeia, delatam até o papa Francisco. Transformaram o Brasil numa Delatópolis, numa Delatolândia, onde fazem barganhas e incriminam em troca de liberdade. Palocci nunca tratou de Belo Monte nem de propina com quem quer que seja. Azevedo procurou Palocci, que era deputado federal, e ele simplesmente lhe disse que não tinha como ajudar — disse Batochio.

Batochio lembrou que Azevedo, em depoimento ao juiz Sérgio Moro, afirmou também que Ricardo Berzoini, do PT, havia pedido 1% de propina em todos os contratos da Andrade Gutierrez com o governo.

Advogado do senador Edison Lobão, Antônio Carlos de Almeida Castro, o "Kakay", afirmou que o senador desconhece as empresas apontadas e nunca teve relações com elas. "A palavra dos delatores, mesmo os que usam de relações pessoais para apresentar um linha de 'acusação/defesa' devem ter o natural carimbo da desconfiança, até pelo apelo de falta de compromisso com a verdade, só com a verdade que serve a defesa, que é próprio do caráter do delator", afirmou Kakay.