quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Paulo Cezar Caju: "A queda"

O Globo

O Joinville é o catarinense com mais dinheiro e caiu para a Série C. A Chape, com menos, vinha conquistando o país


Morro de medo de avião. Trauma de infância. Aos 15 anos, já jogava futebol profissional na Colômbia, levado por meu pai, que treinava o União de Madalena de Santa Marta e, depois, o Junior de Barraquilla. Volta e meia íamos para Medellín. O avião sempre tremia, por ser uma região montanhosa, e eu ria para disfarçar o medo. Uma vez, em Manizales, o piloto mandou colocar o travesseiros entre as pernas e proteger a cabeça. Rezei quando soube que o avião aterrissaria de barriga, mas ri quando deu tudo certo. Tinha uma pureza que não me deixava enxergar o tamanho do perigo.

Queria ver, agora, todos os jogadores da Chapecoense rindo do susto. Mas a maioria morreu e levou junto o sonho da conquista. Será que também serão considerados campeões? Os dirigentes da Sul-Americana poderiam pensar nisso.

Esse acidente me atingiu emocionalmente por alguns aspectos. Pela tragédia em si, óbvio, mas por já ter enfrentado vários riscos aéreos, como turbulências, pousos forçados e a aeronave arremetendo. Também por adorar Santa Catarina e, recentemente, ter trocado o Rio por Florianópolis: minha mulher, Ana, tem dois filhos que moram em Floripa, Felipe e Diogo. Todos estávamos na torcida pela Chapecoense!!!

E, claro, por Mário Sérgio. Tínhamos gênios parecidos e, mesmo amigos, vivemos momentos de turbulência. Olha ela aí novamente! A primeira vez em que nos enfrentamos foi no salão, infantil, eu, ala direita do Flamengo, e ele, ala esquerda do Fluminense. 

Depois, nos aspirantes do Fla, foi campeão, com o meu irmão Fred. Joguei contra ele de novo, eu pelo Fla e ele no Vitória, no Maracanã, Brasileiro de 72, 1 x 0, gol meu de peixinho. O lateral-direito do Vitória era o Valdir Espinosa.

Depois jogamos juntos na primeira Máquina, em 75: Búfalo Gil, eu, Rivellino, Manfrini e ele. 

Tá ruim? Num jogo contra o Madureira, ele comeu a bola, e o presidente Francisco Horta foi ao vestiário cumprimentá-lo. Esticou a mão com ele no banho. Mas Mário Sérgio era rebelde e puxou Horta, de terno e tudo, para baixo do chuveiro. Kkkkk!!! Em 78, formamos o ataque do Botafogo: Búfalo Gil, eu, Nilson Dias, Dé e ele. Tá ruim?

Em 83, fomos campeões mundiais pelo Grêmio, e Valdir Espinosa, agora técnico, foi esperto e nos colocou no mesmo quarto. Ficamos próximos, apesar das diferenças e formas de pensar. Era um craque, rebelde, barbudo, cabeludo, irreverente. E quem não era naquela época? A rapaziada contestava mais, tinha atitude, opinião, e era normal bater de frente.

Também vi Caio Júnior começar e se firmar como técnico. Era um meia-direita criativo e fez sucesso no Grêmio. Agora tinha chance de ser campeão na Chape, um time bem administrado e com muitas ambições.

Dos times de Santa Catarina, o Joinville é o que tem mais dinheiro e caiu para a Série C. 

Ou seja, dinheiro não é tudo. A Chape, com menos, vinha avançando e conquistando o país. Torcemos para que continue avançando, porque a vida não pode ser feita só de turbulências.