segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Rodrigo Janot: "A busca pelo avanço democrático"

Folha de São Paulo


Ao contrário de determinismos históricos ou sociais, a construção de uma sociedade mais solidária e justa passa por sabermos reconhecer nossos problemas e, com humildade, rever cenários deteriorados para aprimorá-los.

Não precisamos criar novo modelo a partir do zero, pois podemos aprender com a experiência de outros países e absorver práticas de prevenção e responsabilização consagradas pelo direito internacional, identificando as inovações que atendam a nossa realidade e impulsionem a expectativa de um país com menos impunidade e melhor emprego de verbas públicas.

Deputados federais debatem, nesses dias, o projeto de lei nº 4.850/2016, que institui as dez medidas contra a corrupção. O projeto é fruto de uma longa e bem-sucedida iniciativa que angariou amplo apoio popular, já que mais de 2 milhões de brasileiros o subscreveram. Vários dispositivos desse projeto buscaram inspiração na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, a Convenção de Mérida, vigente no Brasil desde 2006.

Uma década depois, as propostas legislativas discutidas na comissão especial da Câmara são uma tentativa de provocar esse debate em prol de mudanças que representem uma resposta mais eficaz aos que dilapidam o patrimônio público, tornam exclusivos os proveitos e socializam o descaso e o descalabro.

O momento é grave e de grande expectativa. De que modo votará o plenário da Câmara? Esperamos que decidam com sabedoria, sem abrir espaço ao fel que contaminaria um momento de intensa celebração cívica. Confio que os parlamentares buscarão saídas democráticas que permitam consumar um projeto moderno e adequado às necessidades de nossa jovem democracia.

O entusiasmo de toda a cidadania brasileira com a perspectiva de melhora da nossa legislação penal, processual e administrativa, refletida na ampla cobertura do processo legislativo das dez medidas pela imprensa, não pode dar lugar à frustração e ao desalento.

O processo legislativo há de aperfeiçoar a proposta inicial, sem desfigurá-la, sem viciar o seu espírito. O rito deve nos deixar a certeza de que continuamos no processo histórico que deverá nos dar uma nova curva, construída por diversos pontos fora de uma velha linha.

A saudável interação entre a sociedade e o Congresso é uma oportunidade para avanços institucionais, desde que a legítima "casa do povo" seja também a voz fiel desse mesmo povo.

Em 2013, movimentações populares ajudaram a enterrar a ideia da PEC 37, que retirava poderes de investigação do Ministério Público.

Naquele mesmo ano, numa madrugada após grande demonstração cívica na capital federal, nosso Congresso aprovou a nova lei de combate ao crime organizado, essencial para as grandes investigações que se seguiram, em especial por reforçar a possibilidade de colaboração premiada, uma das tantas técnicas especiais de investigação preconizadas pelas convenções de Palermo e de Mérida.

Esse fato prova que sempre podemos avançar normativamente, respeitando o direito de defesa e as garantias individuais, mas também desenvolvendo instrumentos penais e processuais, de modo que aqueles que cometem crimes respondam por seus atos, reduzindo-se a indiscutível realidade de impunidade entre nós.

Ao fim desse processo que hoje vivenciamos, estaremos todos juntos para comemorar a entrada em vigor de uma legislação que, garantindo os meios para punir os poucos que ainda insistem em fazer do assalto aos cofres públicos o seu meio de vida, possa permitir a todos nós vivermos no país justo e probo que almejamos.

RODRIGO JANOT, mestre em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, é procurador-geral da República