segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

"Atualmente, a voz da razão soa em alemão", por Leonid Bershidsky

O Globo

Resultado da eleição austríaca é indicador muito mais confiável de que Brexit mais assustou do que inspirou europeus


A eleição presidencial na Áustria, na qual o candidato da extrema-direita sofreu uma inegável derrota, deixa uma coisa clara: as nações europeias devem encontrar o seu lugar entre dois polos, o anglofônico, no qual o populismo nacionalista é o novo normal, e o germanofônico, no qual a maioria o considera assustador.

Não faltam motivos específicos o suficiente para que Norbert Hofer, o candidato do Partido da Liberdade, tenha perdido para Alexander Van der Beleen, ex-presidente do Partido Verde, pela segunda vez, depois de ter conseguido forçar um segundo turno na eleição presidencial. O próprio Hofer e o líder do Partido da Liberdade, Heinz-Christian Strache, alegaram que a derrota se deveu à decisão do líder da agremiação de centro-direita Partido do Povo, Reinhold Mitterlehner, de apoiar Van der Bellen na etapa final da corrida eleitoral. 

Os extremistas de direita reclamaram que o establishment se uniu contra eles.

É difícil dizer o quão importante foi o apoio do establishment para Van der Bellen, uma vez que os principais candidatos de centro-esquerda e centro-direita foram derrotados de forma conspícua no primeiro turno. Alguém poderia argumentar que seria igualmente possível que os austríacos, cansados de uma longa campanha, foram desestimulados ante os ataques pessoais de Hofer, de 45 anos, a Van der Bellen, de 72, a quem descreveu como um “professor avoado” e um espião comunista para os soviéticos, durante a Guerra Fria.

Hofer ainda teve o dissabor de perder na primeira instância um processo contra contra o líder social-democrata Ingo Mayr, que o havia chamado de nazista. Embora Hofer tenha vencido um recurso em outubro, a multa de € 5.400 contra Mayr não mitigou o efeito do insulto a Hofer.

Alguém também poderia mencionar que a crise dos refugiados, que empurrou muitos austríacos para o Partido da Liberdade, não teve tanto peso este ano. Ela ainda estava fresca na memória dos eleitores em maio, quando Van der Bellen mal conseguiu vencer Hofer por 31 mil votos, mas não é mais a questão central em suas cabeças.

Todos estes fatores provavelmente contribuíram para a derrota de Hofer. Mas eles não explicam totalmente por que a margem de votos da vitória de Van der Bellen cresceu tão significativamente em menos de sete meses. Mesmo antes de contar os votos por correio que, se prevê, favorecerá o professor liberal, Van der Bellen lidera com 52% contra 48%. 

Isso significa que ele já possui mais de 130 mil votos a mais, uma vantagem e tanto num país de 8,5 milhões de pessoas.

A melhor explicação para entender por que o tempo extraordinário conseguido por Hofer acabou atuando contra ele não tem nada a ver com a política doméstica austríaca. É algo que aconteceu em outro lugar entre maio e a eleição no último fim de semana: o Brexit.

Antes de o Reino Unido votar pela saída no referendo de junho, 31% dos austríacos apoiavam a saída de seu país da União Europeia, de acordo com a Sociedade Austríaca para a Política Europeia. Imediatamente após o voto pelo Brexit, esta parcela caiu para 23%. A parcela pró-Europa cresceu de 60% para 61%.

O esfriamento do sentimento anti-União Europeia se repetiu nas pesquisas em muitos países europeus após o Brexit. E, embora as pesquisas tenham cada vez menos importância após tantos erros de prognósticos embaraçosos nos últimos anos, o resultado da eleição austríaca é um indicador muito mais confiável de que o Brexit mais assustou do que inspirou os europeus. Van der Bellen defendeu a adesão à UE, tradicionalmente forte num país onde três horas de viagem de carro em qualquer direção leva o viajante além da fronteira, e fez disso o tema principal de sua campanha. Hofer, como os favoráveis ao Brexit, classificou isso como alarmismo — mas os austríacos ouviram a voz da razão.

O Brexit, com o caos doméstico que causou no Reino Unido, e a extinção imediata do papel internacional do país, vai continuar gerando um exemplo negativo nas eleições gerais da Holanda em março e no pleito presidencial da França, em abril. Vai abalar as chances de nacionalistas anti-UE, tais como Geert Wilders, do Partido da Liberdade holandês, e Marine Le Pen, da Frente Nacional da França, assim como a performance do partido eurocético Alternativa para a Alemanha nas eleições de outubro. Também poderá levar o Movimento Cinco Estrelas da Itália a ser mais cauteloso em sua defesa de um referendo propondo a saída do país do bloco europeu.

Os nacionalistas europeus celebraram tanto o Brexit como a vitória de Donald Trump. Mas Trump é um bizarro espetáculo circense para a maioria dos europeus, e o Brexit não tem sido até agora bom o Reino Unido. Os nacionalistas em todo o continente estão apostando num resultado favorável da ousada iniciativa britânica, mas poderá levar anos até que o separatismo britânico produza algum resultado bom o suficiente para se gabar, enquanto os efeitos negativos têm sido imediatos.

De certa forma, o Reino Unido se sacrificou pelos centristas do continente, que podem olhar para o país e balançar suas cabeças, como fez Van der Bellen. O populismo britânico indiscutivelmente se fortaleceu, junto com a campanha americana de Trump, como um farol para os que querem desmontar o status quo europeu, mas trata-se de certo modo de um ponto de passagem sinistro.

A Alemanha, onde a chance de um partido nacionalista governar o país após a eleição do próximo ano é quase zero, está empurrando o continente na direção oposta. A Áustria agora se juntou a ela: embora o Partido da Liberdade continue popular, a derrota de Hofer dificilmente será revertida para uma robusta performance nas eleições parlamentares do ano que vem.

A voz de protesto, desintegração e saudosismo nacionalista fala inglês nos dias de hoje. A voz da moderação, estabilidade e unidade fala alemão. É a mais clara linha de batalha em décadas, talvez desde a Segunda Guerra Mundial, quando essas línguas desempenharam o papel oposto.

Leonid Bershidsky é colunista da Bloomberg View