quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

"Cálculo da inclusão", por Cláudio Landim

O Globo

A divulgação dos resultados da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) descortina histórias de superação e sucesso


Filho de um vidreiro e de uma empregada doméstica, o adolescente Gérson Tavares trabalhava de dia e estudava à noite. Durante um ano letivo inteiro, só teve aulas em quatro sextas-feiras. Nas outras, os professores não apareceram. Nunca se destacara em Matemática. Por isso, custou a acreditar quando passou à segunda fase da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP); mais ainda ao conquistar medalha de ouro. Gérson não tinha ideia de que era bom em Matemática, nem seus professores! Após a medalha, passou a treinar por conta própria e ganhou mais três ouros seguidos. Foi o primeiro tetracampeão da OBMEP. Após o sucesso olímpico, Gérson se formou em Engenharia Elétrica na USP e pretende fazer mestrado.

A trajetória de Gérson e de muitos premiados demonstra que a OBMEP, criada em 2005 pelo Impa, é um poderoso instrumento de transformação social. Mas não basta revelar talentos, é preciso também formá-los. Por isso, a OBMEP tem o Programa de Iniciação Científica (PIC). Os 6.500 medalhistas recebem bolsa do CNPq de R$ 100 mensais para assistir a aulas de Matemática em universidades. Aprendem tópicos não vistos na escola, conhecem jovens com o mesmo interesse e vislumbram a formação universitária. André Alves, de Rio Quente (GO), sintetiza a dedicação dos estudantes. Até 2012, o PIC emprestava aos participantes a tradução de um livro russo de Matemática, que devia ser devolvido. Temendo não resolver todas as questões a tempo e sem dinheiro para pagar fotocópias, copiou a mão, em folhas de papel, o livro todo. Os livros acabaram sendo doados, mas André já tinha encontrado a solução para seu dilema.

Segundo estudo (http://www.obmep.org.br/estudos.htm) da OBMEP, a nota média de seus medalhistas na prova de Matemática do Enem supera 770, o que os põe entre os 5% melhores. A olimpíada tem sido um celeiro de bons alunos de escolas públicas para as universidades brasileiras.

A divulgação dos resultados da OBMEP descortina histórias de superação e sucesso como as de André e Gérson. A imprensa apresentou as trigêmeas de Santa Leopoldina (ES) e o professor Antônio Amaral, de Cocal dos Alves (PI), que transformou uma escola do interior na mais premiada da competição. O fenômeno se repete em Dores do Turvo (MG), 4.462 habitantes, onde quatro alunos de Geraldo Amintas conquistaram ouro; na rural Quixaba (PE), de 6.735 moradores, que obteve seis medalhas, e em Marechal Floriano (ES), com outras seis.

Como nesses casos, o maior impacto da OBMEP ocorre em colégios que se engajam na olimpíada. Por todo o Brasil, professores treinam alunos no contraturno com material didático de resolução de problemas, banco de questões e provas antigas, disponíveis no site da OBMEP. Os resultados são fruto também do reconhecimento ao mérito. Nas escolas bem-sucedidas, há cerimônias para os classificados à segunda fase e os medalhistas. Enquanto Indiana Jhones, de Coruripe (AL), ouro em 2012, só descobriu em 2009 a menção honrosa de dois anos antes, Joyce, de Divinópolis (MG), foi recebida na escola com faixa anunciando sua medalha de bronze.

Avaliamos permanentemente o impacto dos programas com estudos estatísticos (disponíveis em obmep.org.br), a partir dos quais definimos estratégias para melhorar a qualidade do ensino de Matemática no país. Os mais recentes apontam que a evolução do desempenho do colégio na olimpíada se reflete na Prova Brasil, no Enem e no Pisa. Escolas muito envolvidas com a OBMEP no ensino fundamental oferecem aos alunos o equivalente a um ano e meio a mais de ensino de Matemática.

Em 2013, a OBMEP passou a produzir material didático e lançou o Portal da Matemática (matematica.obmep.org.br) — onde vídeos, apostilas de exercício e aplicativos cobrem o conteúdo curricular do 6º ano ao final do ensino médio. Os vídeos já foram vistos mais de cinco milhões de vezes, por 14 minutos, em média.

Para universalizar iniciativas exitosas, em 2014 criamos o “OBMEP na escola”. 

Selecionados por prova, os professores recebem formação e bolsa para treinar seus alunos a resolver problemas. O impacto superou as expectativas. A evasão na OBMEP caiu em 10%, e a nota dos participantes mais do que dobrou em todas as faixas etárias.

Segundo o relatório (http://www.oecd.org/pisa/PISA-2015-Brazil-PRT.pdf) do Pisa, enquanto os resultados do Brasil em Leitura e em Ciências se mantiveram estáveis desde 2000, “na área de Matemática, houve aumento significativo de 21 pontos na média dos alunos entre 2003 e 2015” (6%). Que política pública em Matemática pode ter afetado esse desempenho nacionalmente? A OBMEP e o conjunto de suas atividades podem ser a resposta.

Claudio Landim é diretor-adjunto do Impa e coordenador-geral da OBMEP