quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

"Luzes do Espírito Santo", por Roberto Feith

O Globo

PSDB deveria ser candidato natural à liderança de um processo de renovação, mas tem vacilado. Cedeu a impulsos demagógicos e apoiou a diluição da LRF

O mais preocupante do cenário desolador que vivemos é a escassez de políticos com ideias lúcidas, trajetória limpa e um genuíno compromisso com o interesse público. O deserto de lideranças ocorre em todo o espectro. O PT, o maior partido da esquerda, nos trouxe até aqui. O projeto petista faliu por pensar que qualquer problema se resolveria aumentando o gasto público, e que estes gastos poderiam crescer ao infinito. Resultado: inflação, desemprego e a maior recessão do Brasil moderno. Faliu também por acreditar que os fins justificavam os meios. Resultado: um esquema de corrupção sem precedente, minando o já enfraquecido sistema partidário. Hoje, o PT não tem quadros para repensar a sua atuação. Muito menos para tirar o país do buraco no qual o colocou.

Tampouco surgem alternativas entre os principais nomes do maior partido. No passado, inclusive nos anos Lula e Dilma, o PMDB se associou às corporações e empresas que assaltaram o Tesouro. Agora, diante do desastre fiscal, parece convencido da necessidade de reformas. Mas, no aspecto ético, não dá para acreditar em uma virada. Boa parte de seus líderes tem se dedicado há décadas e com impressionante vigor à corrupção. Aqui no Rio, estão presos Eduardo Cunha e Sérgio Cabral. No nível federal, opera o elenco cavernoso de senadores coronéis — Renan, Sarney, Barbalho, Jucá e Lobão. E o recente vazamento de delações premiadas compromete o núcleo do governo Temer. Não será dessa turma que surgirão líderes para repensar o país.

O PSDB deveria ser candidato natural à liderança de um processo de renovação, mas tem vacilado. Cedeu a impulsos demagógicos e apoiou a diluição da Lei de Responsabilidade Fiscal no fim do governo Dilma. Aqui no Rio, um dos seus líderes, Luiz Paulo Correa da Rocha, adota linha populista contra a tentativa tardia do governo Pezão de evitar a quebra do estado. No nível nacional, depois do impeachment, o partido adotou discurso consequente sobre o equilíbrio das contas. Mas, confirmadas as delações das empreiteiras, ficaria comprovada a conivência dos seus três principais nomes, Aécio, Serra e Alckmin, com práticas que representam o atraso na vida política brasileira.

Restam os partidos médios e pequenos, mas aí, o quadro é ainda mais tenebroso. Temos o PP, cujo índice de parlamentares envolvidos em escândalos é o mais alto do Congresso, o PTB e o PSD, cujas propostas politico-partidárias são desconhecidas porque, ao que tudo indica, não existem, e uma dezena de outros pequenos partidos que não têm envergadura para conduzir o país para além da crise.

Mas é concebível que nem tudo seja treva. Que existam pontos de luz. Dois viriam de um pequeno estado, o Espírito Santo. Paulo Hartung, o governador, filiado ao PMDB, vem há anos propondo medidas de ajuste. Entre elas, uma lei de responsabilidade fiscal estadual, a idade mínima de aposentadoria local e a proibição do uso de royalties de petróleo para pagar despesas correntes. Apesar da crise, o Espírito Santos é hoje um dos poucos estados com contas equilibradas, e Hartung, um governador bem avaliado. O senador capixaba Ricardo Ferraço, filiado ao PSDB, tem sido um dos raros parlamentares a se posicionar com desassombro contra aumentos para o Judiciário e outros benefícios para corporações politicamente influentes. Também é coautor do projeto de lei que estabelece limites para a criação e o financiamento público de novos partidos. Até hoje, Hartung e Ferraço não foram mencionados em delações, acusados de desvios ou investigados pelo Ministério Público.

Se continuar assim, a dupla do Espírito Santo poderá ter papel relevante ao fim das transformações em curso e da renovação que, inexoravelmente, haverá no elenco da política nacional.