terça-feira, 6 de dezembro de 2016

"Ruínas do Rio", por José Casado

O Globo

Isolado e em rota de colisão com o Legislativo e o Judiciário, o governador Luiz Fernando Pezão assiste impassível ao avanço de articulações para seu impeachment


O Estado do Rio vai começar 2017 absolutamente falido, e com uma dívida não paga de R$ 15,5 bilhões com o funcionalismo e empresas.

Para zerar essa dívida vencida, seria necessário que cada um dos 16,4 milhões de habitantes fizesse uma doação de R$ 939,5 logo no primeiro dia de janeiro. Mesmo se fosse possível, isso só resolveria o problema por 24 horas. Porque o orçamento para os 364 dias seguintes prevê um gasto de R$ 75 bilhões para uma receita de R$ 60 bilhões.

O estado perdeu as condições básicas de governabilidade. Rompeu com todos os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal — do endividamento à despesa com pessoal.

Há dúvidas sobre as possibilidades reais de o governo estadual cumprir a Constituição, neste e no próximo ano, no gasto mínimo em Saúde (12% da receita), Educação (25%), Ciência e Tecnologia (2%). E são remotas as chances de eficácia do “pacote” de cortes que a Assembleia vota hoje. Das 20 medidas, ao menos uma dúzia tende a ser descartada como “inconstitucional”. As que sobrariam são insuficientes.

Isolado e em rota de colisão com o Legislativo e o Judiciário, o governador Luiz Fernando Pezão assiste impassível ao avanço de articulações para o seu impeachment.

A ruína do Rio é reveladora sobre a anarquia na Federação — veja-se Minas e o Rio Grande do Sul. O caos afeta quem mais depende dos serviços de saúde, educação e segurança.

No Rio, por exemplo, de cada dez pessoas que necessitam terapia intensiva, só quatro conseguem internação na rede pública. Algumas recorrem à Justiça, outras morrem na fila.
A crise é devastadora para muitos, mas não para todos. Os paraísos burocráticos seguem incólumes. Neles, os chefes têm empregos vitalícios e aposentadoria integral.

No Legislativo, Judiciário e no Ministério Público recebem R$ 30,4 mil, mais vantagens pecuniárias, têm duas férias anuais e mordomias.

Uma delas são os carros oficiais (R$ 100 mil cada), com estacionamento e combustível grátis. Dias atrás, discutiam-se cortes na frota da Alerj. Houve resistência à eliminação do “instrumento de trabalho”. O deputado André Ceciliano (PT) protestou: “Se depender da população, não vamos ter nem salário”.

Há também os “auxílios” (moradia, educação, alimentação etc.). No Tribunal de Justiça do Rio, os ajutórios superam R$ 800 milhões ao ano. Às vezes, o Judiciário decreta um “retroativo”. Em junho, Goiás pagou indenização a juízes por tudo que comeram desde de maio de 2004 sem auxílio-alimentação. A fórmula foi replicada pelo país.

Nesses jardins do funcionalismo, chefes têm um séquito de assessores, com mordomias. Na folha do Tribunal de Contas do Rio há 121 motoristas e auxiliares com remunerações que chegam a R$ 32 mil mensais.

No tribunal municipal cada conselheiro possui 14 assessores, além da estrutura ao custo anual de R$ 220 milhões. Onze deles batalham agora por auxílio-moradia (R$ 4,3 mil), duas férias por ano e emprego vitalício. Nada além do que seus chefes já possuem.

A crise do Rio vai muito além da tragédia cotidiana visível nas ruas, nos hospitais e nas escolas do estado. Ela resume a devastação nacional cultivada em leis emuladas por corporações e lobbies setoriais. Não tem nada ilegal, é apenas contra o interesse público.