quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Com 8% da população mundial, América Latina tem 31% das mortes

Clóvis Rossi - Folha de São Paulo


O acadêmico venezuelano radicado nos Estados Unidos Moisés Naím, ex-colunista da Folha, incendiou nesta quarta-feira (18) um monótono debate sobre o futuro da América Latina ao cunhar uma sinistra frase de efeito:

"A América Latina desenvolveu uma coexistência pacífica com a morte."

Jose Cabezas - 04.abr.2016/Reuters
Soldiers stand near graffiti associated with the Mara Salvatrucha gang in El Rosal neighborhood in Quezaltepeque, El Salvador April 4, 2016. According to police, army soldiers and police officers erased gang related graffiti as part of their strategy to regain control of the area around Quezaltepeque Jail from gangs and to curb violence in the country. REUTERS/Jose Cabezas ORG XMIT: JAC007
Soldados em frente a pichação associada à facção Mara Salvatrucha em Quezaltepeque, El Salvador

De fato, o subcontinente mostra-se anestesiado mesmo ante o fato de que, com apenas 8% da população mundial, registra 31% das mortes ocorridas no planeta.

Naím acrescentou que há zonas em guerra que são mais perigosas que a América Latina, mas "nunca se fala nisso".

O presidente paraguaio Horácio Cartes reforçou: "Na América Central, ocorrem mais homicídios do que no resto do mundo".

Para comprovar que, de fato, há "uma coexistência pacífica com a morte", a secretária-geral iberoamericana, Rebeca Grynspan, interferiu com a observação de que a maioria das mortes se dá por conflitos entre gangues.

É de fato assim, tanto no Brasil, como, por exemplo, em El Salvador, mas continuam sendo mortes e continuam sendo motivo de inquietação e medo para o conjunto da sociedade, não apenas para as gangues.

É o que demonstra, por exemplo, o acesso debate em andamento no Brasil a partir das revoltas nos presídios.

Naím soltou observação outra incômoda: os governos não vão conseguir, sozinhos, conter a epidemia. Pregou uma mobilização geral da sociedade, envolvendo todos os atores, de sindicatos à televisão, da igreja aos militares.

Rafael Andrade - 28.abr.2011/Folhapress
RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL, 28-04-2011: Moises Naim, senior associate international economics da Carnegie Endownment for international peace, e visto durante seminario do Forum Economico Mundial na América Latina, em hotel no bairro de Sao Conrado, zona sul do Rio, em 28 de abril 2011. (Foto: Rafael Andrade/Folhapress, MERCADO) ***EXCLUSIVO FOLHA DE SP***
Moises Naím em seminário do Fórum Econômico Mundial no Rio, em abril de 2011

Gruynspan incluiu na equação o engajamento dos Estados Unidos, o que faz todo o sentido: é o maior consumidor de drogas do mundo –e o narcotráfico é o principal agente da carnificina, como disse o presidente Cartes.

O mandatário paraguaio lembrou também que o narcotráfico é um problema transnacional, mas não é tratado como tal –o que significa que os governos nacionais, por mais esforços que façam, tendem a perder a batalha para a morte.

Carnificina à parte, o debate sobre América Latina foi tão repetitivo que Naím ironizou: se voltássemos ao ano 2000, a agenda que estaríamos debatendo seria a mesma.

De fato seria, envolvendo desigualdade, informalidade, produtividade, educação de má qualidade, desemprego.

A novidade veio pela introdução do tema Venezuela, caro a dois dos debatedores, por serem venezuelanos (além de Naím, Ricardo Hausmann, da Kennedy School of Government).

Mas também nesse capítulo há leniência, especialmente de parte dos governos latino-americanos, por mais que, para Naím, a Venezuela seja "um estado falido".
Acrescentou que o país fazia, com Hugo Chávez e agora com Nicolás Maduro, uma "coreografia democrática", quando não passa de uma "moderna autocracia do século 21".