quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

"May confirma virada nacionalista do Reino Unido", editorial de O Globo

Premier britânica afirma que vai ‘pisar no acelerador’ do Brexit e fará um divórcio completo em relação à UE. Economistas dizem que país ficará mais pobre


O esperado discurso de Theresa May na terça-feira foi bem recebido pelo mercado financeiro, levando a libra a se valorizar após semanas de forte queda. A reação dos agentes financeiros se deveu, segundo analistas, à definição de uma situação que vinha se prolongando na incerteza do processo de divórcio do Reino Unido da UE. A premier britânica usou expressões como “pisar no acelerador” e “recuperar o controle” das fronteiras, deixando claro que o país vai levar adiante, com todas as consequências, o chamado Brexit, invertendo mais de 40 anos de processo de integração europeia.

May confirmou que a saída da UE será integral, o que permitiu aos agentes financeiros a começar a planejar a melhor forma de lidar com a nova realidade que se desenhará nos próximos anos, durante complexas negociações entre Londres e Bruxelas, culminando no voto final do Parlamento britânico.

O diretor-executivo do HSBC, Stuart Gulliver, por exemplo, disse, após a fala de May, que as operações financeiras que geram cerca de 20% da receita do banco devem ser transferidas para Paris. Já Andrea Orcel, presidente do UBS Investment Bank, afirmou que o banco terá que transferir empregados de Londres para a UE com o Brexit. Teme-se que o Reino Unido, para manter o interesse em sua praça financeira, a City, se transforme num paraíso fiscal ao estilo de Cingapura.

Como sugere o resultado apertado do plebiscito (51,8% a 48,2%), o Brexit está longe de ser consenso entre os britânicos. Tim Farron, líder do partido Democrata Liberal, de centro, disse ao “New York Times” que “May afirma que as pessoas votaram pela saída do mercado comum. E elas não o fizeram. Ela (May) optou por causar enorme prejuízo à economia britânica”. Já o líder da oposição trabalhista, Jeremy Corbyn, disse que a premier quer “comer todo o bolo sozinha”, referindo-se à sua intenção de fazer o Brexit e simultaneamente manter os privilégios de sua relação especial com a UE.

Mas, a julgar-se pela reação dos líderes europeus, as coisas não serão tão simples assim.

Até porque, o maior temor entre os “federalistas” europeus é que o exemplo britânico se torne viral, estimulando novos movimentos de secessão, como já se vê em alguns países, inclusive na França. O Brexit é a volta da lógica nacionalista numa nação que foi um dos berços da globalização.

A maioria dos economistas concorda que o preço do divórcio será alto e resultará num país mais pobre. Para retomar o controle de suas fronteiras e devolver a Londres o poder decisório, hoje compartilhado com Bruxelas, o Reino Unido trocará as vantagens do mercado comum, que absorve 45% de suas exportações. Dificilmente, o país conseguirá com novos parceiros (e o americano Donald Trump já propôs um acordo comercial bilateral) um tratado nas mesmas condições vantajosas.