sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Andrew Rudalevige: "Até onde vai Trump"

Nem o Congresso nem a Justiça devem conter o presidente. Ele só encontrará limites na própria incompetência e na mobilização popular, diz o cientista político
Por Nathalia Watkins - Veja


O cientista político americano Andrew Rudalevige é um especialista em presidência americana. Já escreveu cincos livros sobre o assunto. Neles, procurou entender os limites desse poder. Em A Nova Presidência Imperial, de 2005, seu foco é no fortalecimento do Executivo após o escândalo Watergate, que levou à renúncia de Richard Nixon, em 1974. Professor de política na Universidade Bowdoin, no estado do Maine, Rudalevige não se surpreende com a tentativa de Donald Trump de exercer ao máximo sua autoridade. A dúvida é sobre como se comportarão as instituições democráticas. Rudalevige falou a VEJA por telefone.
Desde que foi empossado, o presidente Trump tomou uma série de medidas controversas. O que poderá detê-lo? O sistema político americano foi arquitetado para que nenhum de seus braços possa ir longe demais sozinho. Isso significa que tanto o Congresso quanto o Judiciário tendem a frear qualquer presidente que tente se mover muito rapidamente sem um consenso amplo no país. A preocupação do momento é que o Congresso é controlado pelo Partido Republicano, o mesmo do presidente, assim como a maioria dos cinquenta Estados. Os tribunais, especialmente a Suprema Corte, também estão alinhados com a legenda. Essa é uma conjuntura que não temos visto com frequência na história política americana.
Mas há parlamentares e senadores republicanos importantes criticando o presidente, certo? Trump acha que, uma vez que o povo está com ele, todos os políticos republicanos devem subir a bordo do seu trem, sem reclamar. O sonho dele é remodelar o Partido Republicano à sua imagem e semelhança e, assim, torná-lo mais populista. Mas os deputados e senadores não pensam assim. Eles acham que, como Trump é novato e não entende de política, vai assinar tudo o que os legisladores quiserem. Contudo, tanto a ideia de que Trump será uma marionete de Paul Ryan (o líder republicano na Câmara), quanto a noção de que Ryan será um fantoche de Trump não são viáveis no longo prazo. Nessas primeiras semanas, o que vimos foi que não houve no Congresso uma reação organizada contra Trump. Alguns políticos se opuseram a declarações específicas feitas pelo presidente, como os comentários contra latinos e em relação à Rússia. Após a renúncia de Michael Flynn, conselheiro de segurança nacional, muitos adotaram a versão de Trump de que o problema, na verdade, estava no vazamento das informações das agências de inteligência para a imprensa, e não no seu conteúdo. No geral, as indicações para o gabinete foram confirmadas. Tudo isso indica que, por enquanto, os republicanos acham que Trump será o melhor veículo para garantir que a agenda deles seja implementada, e por isso o estão apoiando.
O Congresso não atuará como um freio para o presidente? O problema é que essa instituição cedeu muito de seu poder para a Casa Branca nas últimas décadas. À medida que a política se tornou mais complexa, a administração federal foi solicitada a assimilar novas funções. Em 1905, o governo não fazia nada em relação ao meio ambiente. Também não se preocupava em prover um sistema de saúde e distribuir benefícios sociais. Não era obrigado a cuidar dos direitos do consumidor. Não tinha de checar se os carros que as pessoas dirigiam eram seguros. Tudo isso, aos poucos, entrou na sua lista de atribuições. A consequência desse crescimento dos ramos executivos foi que a autoridade presidencial ficou mais forte. Em paralelo, o Congresso entregou parte de seu poder. Seus membros descobriram que é eleitoralmente mais conveniente criticar o presidente do que tomar decisões por conta própria. O Congresso não tem interferido em questões de guerra e paz. Também não tem aprovado o orçamento no prazo. Os legisladores só decidem supervisionar o Executivo quando alguma crise chega às manchetes dos jornais e revistas. Ainda assim, não fazem nada para que o governo possa funcionar e atender melhor a população.
"Com Trump atacando magistrados

pelo Twitter, é possível que eles

fiquem ainda mais retraídos. Um

perigo possível é que o Judiciário

seja permissivo com ele"
Se o Congresso não oferece resistência, pode-se apostar que a Justiça fará a parte dela, como está acontecendo com o decreto contra imigrantes? A decisão presidencial que proíbe a entrada de pessoas de sete países de maioria muçulmana (Líbia, Sudão, Somália, Síria, Iraque, Iêmen e Irã) por 90 dias e de refugiados por 120 dias foi temporariamente suspensa por uma liminar de Seattle. Esse tipo de atrito com as cortes distritais não é novo. Já aconteceu muitas vezes no passado com o presidente democrata Barack Obama. Durante o mandato dele, os conservadores ficavam muito felizes quando um juiz do Texas, por exemplo, atrapalhava a vida do Executivo. A questão da imigração ainda deve ser levada para apreciação na Suprema Corte. Eu não ficaria surpreso se o decreto voltasse a valer mais adiante.
Então o presidente pode fazer o que quiser com os imigrantes? Sim. Além disso, a Justiça costuma dar bastante espaço para o Executivo em questões de segurança nacional. Nessa área, o presidente sempre teve amplas funções. Em 1952, o Congresso instituiu o Ato de Imigração que, como outras iniciativas, aumentou a margem para que o Executivo faça o que bem entender. No final de contas, só cabe aos tribunais interpretar as leis e especificar o que elas querem dizer, e nada mais. Nos Estados Unidos, os juízes não têm como acumular poder. Sempre foi assim. Nos anos 1780, o secretário do tesouro Alexander Hamilton, um dos pais fundadores da nação, escreveu que o Judiciário é “o menos perigoso braço do governo”. Ele disse isso porque os juízes não tinham o poder da espada, nem o da bolsa, só o de julgar. Eles tampouco andam por aí buscando motivos para interferir na política. Com Trump atacando alguns magistrados pelo Twitter, como aconteceu na semana passada, é possível que eles fiquem ainda mais retraídos em seus postos. Um perigo bem provável é que o Judiciário seja demasiado permissivo com ele.
Em geral, nas eleições de metade do mandato, o partido do presidente perde força no Congresso. Isso pode acontecer com Trump? Esse fenômeno costuma ocorrer como uma resposta da população, que aprecia algum tipo de equilíbrio entre as forças democráticas. Às vezes, os presidentes perdem muitos assentos. Foi assim com Barack Obama em 2010, com Bill Clinton em 1994 e com George W. Bush em 2006. Atualmente há 52 republicanos e 48 democratas no Senado, mas somente um terço das cadeiras serão submetidas a uma eleição em 2018. A maior parte delas é ocupada hoje por democratas. Por causa disso, será muito difícil para eles virarem o jogo. Os republicanos estão em uma situação muito confortável.
"As decisões têm sido tomadas sem

que especialistas nas diferentes

áreas sejam consultados, o que

depois atravanca tudo.

O governo está sendo vítima

da própria incompetência"
Há alguma força capaz de conter Trump? Uma das coisas que mais tem segurado Trump são os obstáculos criados pela própria administração. As decisões têm sido tomadas sem que especialistas nas diferentes áreas sejam consultados e de forma apressada, o que depois atravanca tudo. Eles estão sendo vítimas da própria incompetência. Além disso, há uma pressão popular crescente. Contra o decreto imigratório, as pessoas se manifestaram em aeroportos e nas ruas. Estão ativas. Empresários e acadêmicos americanos também se declararam inquietos em relação a essa decisão, porque temem pelas consequências econômicas. Essa turma não se manifestou na eleição, mas agora entendeu que precisa ter algum protagonismo. Eles despertaram para a política com um certo atraso. Talvez essa vontade de participar só dure alguns dias. Assim que essas pessoas se sentirem aliviadas por terem feito algo, elas voltarão para as suas casas. Pode ser. Mas, se em vez disso elas realmente se envolverem em ações, tornando-se ativistas, poderiam fazer muita diferença. Seria algo como o Tea Party, um movimento que tomou as ruas contra o governo de Obama há alguns anos, com o sinal trocado. Ou seja, a baixa popularidade de Trump é o seu principal ponto fraco. Sua aprovação está em torno de 40%. É um índice bem abaixo do de Obama quando ele iniciou seus dois mandatos. E isso em um momento em que, em tese, deveríamos estar na lua de mel entre o povo e o ocupante da Casa Branca. Se Trump não tem metade do país a seu favor durante aquela que deveria ser sua melhor fase, então o esperado é que ele se enfraqueça ainda mais.
Os protestos populares não estariam indo contra a decisão do povo, que foi manifestada nas urnas em novembro? Nós não devemos exagerar ao analisar Trump, porque ele teve uma vitória bem estreita. As margens de votos nos Estados que o levaram à vitória no Colégio Eleitoral foram bem pequenas. Se menos de 1% dos eleitores tivesse mudado de ideia nos estados do Michigan, Wisconsin, Pensilvânia e Florida, nós teríamos Hillary Clinton como presidente. Trump ganhou porque ele tem um coro de apoiadores muito fervorosos. Foi para essas pessoas que ele fez seu discurso inaugural. Além do mais, muitos votaram em Trump porque não gostavam da candidata Hillary Clinton.
Trump conseguirá manter o apoio desse coro fervoroso por muito tempo? O presidente fez muitas promessas durante a campanha. Falou que iria construir um muro na fronteira e que o México pagaria pela sua construção. Que reabriria as minas de carvão e de ferro. Que reduziria o crime. Que impediria os empregos de saírem do país. Prometeu realizar “todos os sonhos que as pessoas sonharam” para os Estados Unidos. É uma retórica muito exagerada, que não foi levada ao pé da letra o tempo todo. Muitos dos seus eleitores não acreditam que todos os empregos que foram para Bangladesh voltarão para os Estados Unidos. O difícil é saber o que exatamente os satisfaria agora. Será muito interessante ver como o anseio gerado em torno dessa eleição se desenvolverá dentro do coro de apoiadores do Trump. Ele disse “vocês vão ganhar tanto que ficarão cansados de tanto ganhar”. Mas o que significa isso? Ninguém sabe. Será um desafio e tanto para o presidente transmitir para a política esse desejo por algo.
Foto Bowdoin College