domingo, 19 de fevereiro de 2017

"Doria e o manual do superprefeito", por José Godoy

O Globo

Ele mostra nas primeiras semanas no cargo que dominar a narrativa é a chave do sucesso político hoje. Criar o seu próprio conteúdo, expor à exaustão sua agenda


A pesquisa Datafolha sobre as primeiras semanas de João Doria como prefeito de São Paulo é uma ótima oportunidade para entendermos as projeções do eleitor nesses tempos turbulentos de representação política.

Lançado como uma novidade, embora tenha presidido a Embratur no governo Sarney e comandado a pasta de Turismo do município na administração Covas, Doria conta com 44% de aprovação da população — 60% entre os que recebem mais de dez salários mínimos —, um amplo capital político reforçado por sua vitória ainda em primeiro turno.

Muito além dos números, a percepção dos paulistanos sobre alguns dos pontos mais polêmicos de seu recente mandato pode nos oferecer melhores explicações para o seu sucesso.

Por exemplo, se o Programa Cidade Limpa, com suas ações contínuas de varrição, poda de árvores e pintura de muros, é classificado como ótimo ou bom por 59% da população, melhor ainda é a avaliação que os paulistanos fazem dos adereços que o prefeito utiliza ao participar dos mutirões de limpeza — 66% dos entrevistados veem no fato de o prefeito trajar-se de gari, empunhando vassouras, luvas e pás, um sinal de humildade. Uma aprovação que nem mesmo a atabalhoada pintura dos grafites da Avenida Vinte Três de Maio colocou em xeque.

Suas performances como zelador, a assertividade com que se lança contra pichadores, a divulgação de uma agenda de trabalho de 15 horas diárias são vistos como sinais de alguém que trabalha duro por 71% dos entrevistados. Mesmo percentual de aprovação encontrado entre os que dirigem na cidade em relação ao aumento da velocidade das Marginais determinado pelo prefeito.

Velocidade em vias expressas e outras demandas de mobilidade individual são há décadas ponto central na agenda dos prefeitos paulistanos. A ideia de uma São Paulo que não pode parar, e que precisa de obras contínuas para absorver a massa crescente de automóveis em seu complexo e caótico tecido urbano, faz parte de uma espécie de inconsciente coletivo dessa cidade que seguidamente escolheu prefeitos-engenheiros para comandá-la.

O que a boa avaliação de João Doria parece demonstrar é que São Paulo não precisa mais de um prefeito-engenheiro, mas sim de um prefeito-comunicador. Alguém com capacidade de midiatizar ações irrelevantes, dotando-as de importância; experiente em falar e se apresentar diante das câmeras, hábil e estratégico em mobilizar redes sociais, com direito a transmissões ao vivo de suas visitas diárias a equipamentos públicos da cidade, comandadas por uma equipe paga de seu próprio bolso.

Doria demonstra nessas suas primeiras semanas no cargo que dominar a narrativa é a chave do sucesso político nos dias atuais. Criar seu próprio conteúdo, expor à exaustão sua agenda, ocupar o território de imagens com sua marca, é o seu ativo principal. Se a fórmula tem validade restrita saberemos nos próximos quatro anos. Por enquanto, seguimos acompanhando em tempo real suas performances como gari, pintor de muros e bedel de pichadores. Um prefeito que zela. Um prefeito-humilde. Um prefeito perfeito para estes tempos de diluição e fanatismo virtual.

José Godoy é escritor