segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

"Temer e a moralidade pública", por Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de São Paulo

A sobrevivência de ministros não pode estar acima do interesse nacional


A política brasileira obedece, hoje, a um imperativo de ordem ética. A corrupção dos agentes políticos é condenada veementemente, não se admitindo mais nenhum crime dessa natureza. A derrocada do PT e o impeachment da ex-presidente Dilma são frutos de todo um amadurecimento da sociedade, da opinião pública.
As manifestações de rua corroboraram essa mudança, selando o destino do governo anterior. Mudanças de moralidade pública foram exigidas. O governo que a elas não se adequar corre um sério risco de legitimidade e mesmo de existência.
A ascensão do presidente Temer inscreve-se num processo de renovação política baseado em duas ideias orientadoras: a da racionalidade econômica e a da renovação ética. A sociedade já não admite mais do mesmo. 
No que diz respeito às medidas econômicas, o novo governo apresenta uma face reformista, contrastando com os governos anteriores, que levaram o País à ruína. Privilegiou a relação com o Congresso, ciente da necessidade de aprovação dessas reformas essenciais. 
Em pouco tempo, muito foi feito: a aprovação da PEC do Teto do gasto público, visando a equilibrar despesas e receitas; o encaminhamento da reforma Previdenciária, imprescindível para o equilíbrio das contas públicas; o encaminhamento da modernização da legislação trabalhista, sem a qual o País ficará preso a uma época revoluta; a profissionalização da gestão da Petrobrás, tornada um antro de corrupção partidária e pessoal; e assim por diante. 
Já no que tange à questão ética, o novo governo deixou a desejar. Vários ministros com problemas judiciais e delatados vieram a fazer parte de sua equipe. Não deveriam ter sido escolhidos. A percepção da sociedade foi de que nada havia mudado nesse quesito. A imagem presidencial foi duramente afetada.
O afastamento de alguns logo nos primeiros meses mostrou o descompasso entre o governo e a sociedade. As delações da Odebrecht potencializaram esse problema, que ficará ainda mais agudo quando elas vierem a público, seja por vazamentos ou pelo levantamento do sigilo.
Tornou-se premente uma atitude presidencial que fizesse face a essa questão, não blindando ninguém. O Brasil é muito maior que seus governos. A sobrevivência de ministros não pode estar acima do interesse nacional. 
Foi necessário estabelecer uma linha de corte que desse voz à sociedade e assegurasse as condições de governabilidade. Nenhum governo pode indefinidamente responder a uma delação por semana, pois se algumas são fundadas, outras não são.
O critério estabelecido pelo presidente foi afastar provisoriamente ministros envolvidos na Lava Jato que sejam denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR). O afastamento será definitivo quando acolhida a denúncia pelo STF e o ministro se torna réu. 
Dois problemas são, assim, evitados: a permanência indefinida de um ministro até ter sua condenação transitada em julgado, o que leva anos, e a não aceitação de qualquer delação como critério de afastamento. Este deve estar alicerçado num conjunto consistente de provas, tal como elaborado pelo Ministério Público (MP). 
Note-se que o discurso presidencial foi principalmente dirigido à sociedade, com o claro intuito de estabelecer um diálogo com a opinião pública. A mensagem foi pública, não apenas endereçada ao Congresso.
Mandou, ao mesmo tempo, um recado a seus ministros: se for comprovado seu envolvimento com crimes da Lava Jato, serão obrigados a partir. De nada servirão as tentativas insossas de alguns de se eximirem de delações simplesmente dizendo que não foram condenados ou que rechaçam com veemência as acusações.
As reações de certos meios de comunicação foram, porém, despropositadas, a serviço de filopetistas interessados em atacar o governo Temer. Convém notar que alguns jornalistas chegaram a afirmar que o presidente tinha apenas blindado seus ministros, o contrário da mensagem presidencial, que reiterou apoio à Lava Jato. Mais sensatos, outros observaram que Michel Temer pusera uma corda no pescoço de vários de seus assessores. 
Partindo da “tese” da blindagem, os defensores de tal posição produziram medianas das denúncias apresentadas pela PGR ao STF para simplesmente dizerem que, sendo estas superiores a um ano e meio, ninguém será afastado. Ora, a denúncia do ex-deputado Eduardo Cunha demorou cinco meses, o que significa dizer que um movimento semelhante da sociedade e das ruas obrigaria ministros envolvidos a se afastar no próximo mês de julho, se não antes. 
É, doravante, responsabilidade da PGR e do STF produzir denúncias e julgar. Deverão prestar contas à Nação de seus atos e de sua morosidade. Se nada fizerem em relação aos acusados, serão cúmplices da impunidade. A atenção da sociedade voltar-se-á contra eles e poderão, então, tornar-se alvos de manifestações populares. 
O procurador Rodrigo Janot deverá ter a celeridade dos promotores de primeira instância em Curitiba e no Rio de Janeiro, sob pena de converter-se em símbolo da procrastinação. Se optar pela lentidão, o “Fora Janot” poderá ganhas as ruas. 
O País ver-se-á diante de uma nova configuração política, com a opinião pública se defrontando com os mais diferentes tipos de fatos e focando sua atenção não mais apenas no governo, mas, também, no MP e no STF.
No próprio Ministério Público e no Judiciário produzir-se-ão vazamentos com o intuito não somente de pôr em questão vários ministros, mas também visando a acelerar as denúncias e o seu acolhimento pelo Supremo. Os ministros começarão a sangrar desde a divulgação das delações até sua conversão em denúncias. E entre estas e seu acolhimento, a posição deles se tornará insustentável.
A partir da linha de corte introduzida pelo presidente Michel Temer, não há blindagem possível, uma vez que a sociedade se manifeste e a imprensa e os meios de comunicação em geral cubram adequadamente os processos em curso.