sábado, 25 de março de 2017

Demétrio Magnoli: "Dever de guardar sigilo sobre operações é da polícia"

Folha de São Paulo


O blogueiro Eduardo Guimarães foi alçado das catacumbas da internet ao palco iluminado da política nacional pela Polícia Federal. Dias atrás, submetido a condução coercitiva, prestou depoimento sobre sua participação no vazamento da Operação Lava Jato que teve Lula como alvo, no início de 2016.

Segundo a PF, o blogueiro teria se engajado em obstrução da Justiça ao repassar ao Instituto Lula informações sobre a iminência da condução coercitiva e da quebra do sigilo fiscal do ex-presidente. As alegações policiais não passam de pretextos para justificar um ato de arbítrio.

Guimarães é uma das tantas vozes que, organizadas em matilha e muitas vezes financiadas pelo dinheiro fácil das estatais, consagraram-se à difamação sistemática dos críticos do lulopetismo. Na era da pós-verdade, ele utiliza os mesmos métodos das fábricas de rancor do kirchnerismo, na Argentina, ou da alt-right americana, a direita nacionalista que corteja Trump.

Sob a capa de seus textos primitivos, pontuados pelos previsíveis chavões, os "comentaristas" (isto é, militantes da rede partidária) fazem a parte mais suja do serviço, difundindo calúnias preservadas de ações judiciais pelo recurso ao anonimato. Depois, robôs replicam suas sentenças nas redes sociais, produzindo "correntes de opinião".

Nada disso, porém, autoriza uma perseguição policial amparada em pretextos, mesmo se engenhosos.

Do teclado odiento de Guimarães, já emanaram ameaças (pouco) veladas. "Os delírios de um psicopata investido de poder discricionário como Sérgio Moro vão custar seu emprego, sua vida", escreveu em junho passado, ultrapassando a fronteira entre opinião e incitamento. Isso daria um merecido processo criminal, mas não tem relação com sua condução coercitiva. Os supostos crimes pelos quais tornou-se investigado simplesmente inexistem. A PF age movida pela vingança – ou para ocultar suas próprias falhas.

O dever de guardar sigilo sobre operações policiais em curso não é de Guimarães, mas da polícia. Nenhuma lei proíbe um cidadão comum de retransmitir informações ou rumores que ouviu. Se a PF foi incapaz de proteger seus segredos, por que um militante partidário seria obrigado a ajudá-la? A ideia subjacente à ação da PF, de que o conjunto dos cidadãos deve lealdade aos aparelhos judiciais e policiais, é típica de sociedades totalitárias.

Há, de fato, algo a fazer quanto aos recorrentes vazamentos de operações da Lava Jato, mas os alvos certos encontram-se mais perto dos agentes policiais: nos quadros da própria PF, da Receita Federal e do Ministério Público.

A PF argumenta que Guimarães não tem a prerrogativa do sigilo da fonte, pois seu blog não é veículo de imprensa, mas ferramenta de propaganda política, e ele mesmo não se qualifica como jornalista, mas como comerciante. Ocorre, em primeiro lugar, que a fonte do blogueiro carece de relevância, pois já era do conhecimento da polícia.

Em segundo lugar, e mais importante, a separação entre jornalismo e militância política pertence ao universo do debate público, não ao dos códigos legais. Nas democracias, a identificação do jornalismo marrom depende do esclarecimento da opinião pública, não de um edito policial ou judicial. O princípio, que vale para todas as épocas, aplica-se ainda mais à nossa era da pós-verdade.

As sociedades abertas distinguem-se das tiranias por protegerem, no limite da lei, a liberdade dos que as detestam. O blog de Guimarães evidencia, cotidianamente, sua aversão à pluralidade política. Se, nos tempo de glória lulista, a PF inventasse acusações destinadas a perseguir críticos do governo, ele aplaudiria o arbítrio, tocando seu bumbo entediante. Os Guimarães celebram, quando Putin, Maduro ou Castro manipulam juízes amestrados para encarcerar "inimigos do povo". É porque somos diferentes deles que não os imitamos.